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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OLHOS


Cassio Camilo Almeida de Negri

No laboratório de anatomia, a aula estava prestes a começar. Entre os balcões de azulejos brancos, jaziam deitados os cadáveres semi-descarnados.
No ar, um cheiro de formol irritava as conjuntivas deixando vermelhos os olhos dos estudantes. Na parede, a oração ao cadáver desconhecido chamava as pessoas presentes às virtudes do respeito e do agradecimento. Após a dissertação do professor, os bisturis com suas lâminas luzidias e afiadas, iam penetrando pela cavidade orbitária, dissecando os músculos dos olhos pelos quais um dia a luz entrou, e hoje, deles saía a luz do saber.
No ambiente quase tumular,uma caixa de isopor sem tampa com pedras de gelo, e entre os cubos, olhos, muitos olhos, frescos e grandes, parecendo recém retirados, pois, ao se observar um deles nas mãos, parecia-se estar também sendo observados.
Eram olhos que emitiam bondade, de um ser de paz , como que refletindo o olhar divino, congelados em midríase por uma morte violenta. Então, o professor explicou:
- São olhos de boi para vocês estudarem.
E o rapaz, recém ingresso na faculdade de medicina, cheio de compaixão, e com os olhos rasos d´água, nunca mais comeu carne...

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