Leda
Coletti
É véspera
de Nata!
Marcelo
não sabe por que as ruas estão desertas. Estava contando com uns trocadinhos
para o seu lanche predileto - pão com mortadela – mas, parece que o remédio
será ir até o semáforo da Avenida Maior e tentar obtê-los com os motoristas,
que param obrigatoriamente no sinal fechado.
Estranhou
a ausência da Dona (nem sabe seu nome), para a qual dá toda coleta, e de onde
vem seu minguado salário, que mal dá para rebater a fome com o sanduíche de
mortadela; às vezes dá para comprar um refrigerante ou sorvete.
Notou
que as lojas e supermercados estão fechados. Tem certeza de que ontem foi
domingo, pois viu o número grande de fiéis entrando e saindo da igreja-matriz
para as missas dominicais. Em dias como
hoje, tem vontade de ir até à área de lazer, pois lá sempre rola um dinheirinho
de algum dono de carro que vai caminhar. Mas não tem coragem, porque sabe que
irá receber ameaças dos colegas, que são permanentes no local. Em último caso,
se não conseguir o suficiente, já pensou nas latas de lixo, onde há resíduos de
alimentos aproveitáveis. Se não conseguir nada aproveitável, vai à praça,
onde aquelas mulheres e homens- anjos da noite, alimentam os “sem
teto“, como ele.
Marcelo, nos seus doze anos incompletos,
assume com orgulho ser menino de rua. Muitas vezes chamam-no assim,
acrescentando impropérios, sobretudo ao flagrarem-no roubando alguma tralha que
encontra próxima às portas das lojas.
Não se recorda
dos pais; só vagamente da avó paterna. Dos seis aos nove anos ficou num
orfanato, até o dia em que resolveu fugir para conhecer a cidade grande. Só lhe
vem à lembrança o seu retorno à outra instituição, que lhe pareceu pior que a
primeira. Não tinha consciência dos limites de comportamento para se viver em
grupo. Achava as tias dessas instituições muito exigentes, quando não cumpria
as tarefas rotineiras. A desobediência às mesmas resultava em restrições, que o
fizeram mais uma vez fugir para a rua. Esta sim considerava sua verdadeira
morada, principalmente a praça, reservada para ser sua trincheira de combate,
defesa e local de repouso. Gostava de dormir nos bancos do jardim, apreciando a
lua e acordando com os raios tímidos da bola alaranjada, seu amigo sol. Isso,
quando não havia quebra-quebra com os demais ocupantes do local, acabando o
incidente no camburão da polícia.
Considera-se
dono do mundo, sobretudo quando usa aquele pó que o companheiro da praça lhe
deu, em troca das bugigangas que roubou. Não tem ninguém por ele, e para dizer
a verdade nem conhece a importância de um toque de carinho, pois nunca recebeu
algum. É bem verdade que muitas vezes, quando assiste televisão nos bares,
sente um pouco de vontade de ter alguém por ele: o pai, a mãe, um irmão, um
tio, primo, mas não adianta sonhar! Na primeira casa em que ficou, prometeram-lhe
arranjar uma madrinha, doadora dos livros para estudar na escola do bairro, mas
ele fugiu antes de conhecê-la.
Distraído
em seus pensamentos, só o percebeu pelo toque do sininho. Com um sorriso largo,
Papai Noel foi logo lhe dando um forte abraço e dizendo:
¾ Feliz
Natal, meu querido menino!
Em
seguida presenteou-o com uma bola e caixas com doces. E continuou:
¾ Quero
convidá-lo para ser meu companheiro. Preciso de um auxiliar para entregar os presentes
das crianças de um bairro distante daqui. Estou atrasado e sei que me aguardam
ansiosos.
Marcelo
mal acreditava no que via e ouvia.
¾ Mas Papai-Noel
só aparece no Natal! No orfanato ele sempre aparecia nesse dia!
¾ Hoje é
véspera de Natal e estamos comemorando o aniversário do Menino Jesus, que
sempre me pede para fazer a entrega de encomendas às crianças daqui da Terra.
¾ Então
vou virar velhinho como o senhor?
¾ Se
quiser posso providenciar-lhe um traje igual ao meu. Afastou-se por instantes,
voltando logo em seguida com a vestimenta própria.
Aquele
dia foi inesquecível para Marcelo, que pela primeira vez experimentou momentos
felizes, ofertando presentes a crianças pobres como ele. Nunca ficara triste
quando alguém se despedia dele, mas dessa vez isso ocorreu.
¾
Marcelo, você foi um companheirão! Conto com você em outros Natais e, dando-lhe
um forte abraço se afastou apressado.
No dia após
o Natal, quando as faxineiras da praça faziam a limpeza costumeira, viram
aquele Papai Noel criança, deitado no banco. Estava estático e dormia
profundamente.
¾ Não
vamos acordá-lo, pois parece estar sonhando e sua fisionomia é de alguém que
está feliz.
Se
estivessem mais atentas, teriam notado que Marcelo dormia o sono dos anjos do céu.
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