Páginas

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

O trabalho e passarinhos




Maria Madalena Tricanico de Carvalho


Seu filho vai visitá-lo e sempre fala:
- Quando você quiser voltar para nossa casa é só avisar!
- Você acha que vou voltar para a casa deles? Não posso, tiro a liberdade deles  e a minha também.  Meu único filho, casado, chefe de família, trabalhador....vai elogiando o filho com muita emoção e orgulho.
Fica muito triste em lembrar do falecimento  de sua esposa que deve  uma morte repentina.  Mulher corajoso, trabalhadeira e de valor. Tive sorte no meu casamento, com minha família.
Viviam muito bem, combinavam em tudo, diz ele. Depois que ela partiu não consegui morar sozinho, fazer minhas coisas, cuidar da minha vida.
Fui morar com meu filho. Um dia conversando com um amigo viemos visitar o Lar e gostei de tudo que eu vi, continua.
Tem orgulho de seu nome de família, de ter trabalhado em uma das  mais importantes metalúrgicas do pais  e demonstra saudade de seu tempo de trabalho. Começa contar algumas passagem acontecidas  no trabalho, mas logo para, percebendo que eu não conseguia acompanhar  suas explicações, por não entender o que ele queria passar sobre o tralhado metalúrgico. Ficou melancólico, saudoso.
- O trabalho é que nos mantém vivo. O homem sem trabalho vai ficando cada dia mais triste.
Quando chequei para conversar com ele, as cuidadoras estavam fazendo curativos  no seu pé esquerdo,  que pela diabete precisa  de cuidados especiais. Curativos também em seu braço que pelo fato da pele estar muito fina, se rompe com facilidade, mas tratado com todo carinho não reclama e agradece pela atenção.
Gostava de criar passarinhos, conta ele todo entusiasmado, depois que eu o provoco perguntando se ele gostava de animais. Explica todo animado que,  quando era metalúrgico,  antes de ir trabalhar, tratava-os, com água, alpiste, verdura, ovo cozido e ia pendurando-os nos ganchos  colocados estrategicamente no seu quintal, debaixo de uma frondosa mangueira,   para maior conforto das aves.
Gostava de contar que sua mulher era de estatura média e ele sendo alto discutiam sobre a altura dos varais, onde ela estendia a roupa, explicava ele entre risos. Ela abaixava o varal e quando eu  ia pelo quintal, distraído,  olhando para a gaiola com o passarinho, ia de encontro ao varal que   batia na gaiola, no pescoço  ou no rosto. Eu sempre ficava bravo e ela ria.
Gosta de viver na comunidade do Lar, onde já vez amigos e também encontrou conhecidos. No momento está de repouso para  sarar logo, mais sente falta de passear e sentir a natureza bem perto...
Como  seria triste se não tivéssemos nossas lembranças! Elas vão voltando conforme vamos alimentando-as: Alguns só tem recordações tristes e sofredoras e outros tem lembranças alegres e divertidas.
Será que depende somente de nós alimentarmos as que nos faz feliz ou as tristes nos afloram para serem trituradas, esmiuçadas e levadas de uma vez por todas ao esquecimentos?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A moderação de comentários foi ativada. Todos os comentários devem ser moderados pelo GOLP antes da sua publicação.