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sábado, 29 de junho de 2019

GATO



Alfredo Cyrino

Poucos me conhecem,
poucos me vêem.
Muitos me amam.
Muitos me odeiam
e perseguem.

Sou tudo, ou nada,
o foco da atenção,
ou a sombra silenciosa.

Dou sorte, dou azar?
Nada sei dessas coisas!

Nada peço, preciso, ou quero.
Sou somente o que me coube ser.

Equilibrado, preciso,
confiante, seguro,
autossuficiente,
independente.

Sentidos alertas,
perfeição em movimento,
sou apenas um gato.


quarta-feira, 26 de junho de 2019

Morrer, sorrindo



Pedro Israel Novaes de Almeida


                 A vida é um ciclo.
            Começa com o nascimento e termina, sempre, com a morte. Salvo um grande número de casos, a morte é vista com tristeza e algum inconformismo.
            Houve um passado, de triste memória, em que os velórios eram realizados no domicílio. A cena era trágica, vez ou outra animada pela presença de mais de uma viúva.
            Velórios existiam que eram verdadeiros regabofes, com direito a salgados, doces, chás e cafés. O ambiente era propício à realização de pequenos negócios, e as dívidas do finado eram sempre lembradas, ainda que inexistentes.
            As conversas mais ouvidas davam conta das virtudes do falecido, mesmo quando raras. Todos parecemos um pouco melhores, após a morte.
            É preciso uma altíssima dose de irrealismo, para crer que a morte iguala as pessoas. Pobres costumam ter vida mais breve, e despedidas mais sofridas.
            O progresso humano tem, como regra, o contínuo alongamento da vida. Há poucas décadas, ultrapassar a barreira dos sessenta anos era uma peripécia, a poucos permitida, e hoje são comuns pessoas com mais de noventa anos.
            Os emocionados esforços da família, para preservar a memória e imagem do falecido, começa por talheres, passando por joias e objetos de arte, até atingir a seara judicial, com imóveis, veículos e créditos em geral.
            As aposentadorias tendem a atrair cada vez menos a atenção dos herdeiros, desprestigiadas por uma ou outra reforma. Filhas solteiras, emocionadas, juram solteirice eterna, em pleno velório.
            As mortes têm reflexos negativos em toda a família. Cessa a tomada de empréstimos consignados, em nome do falecido, e diminui o número de pessoas aptas a assumirem multas de trânsito de terceiros.
            A solidariedade humana surge como em passe de mágica, mesmo quando a viúva não apresenta dotes esculturais ou grande cultura. Documentadamente triste e desinteressada costuma ser a reação dos animais domésticos cuidados pelo finado.
            A cremação vem substituindo a construção de grandes e suntuosos jazigos, e diminuem a cada dia os espaços disponíveis em cemitérios.  Jazigos modernos são edificados com muitas estantes, alojando gerações.
            A morte é o destino natural da vida, e costuma documentar a verdadeira crença dos que ficam. É comum o desespero e inconformismo, em muitos que dizem acreditar que o finado partiu para reencontros históricos, vida eterna ou céu.
            Nesta quarta-feira gelada, com absoluta falta de assunto, veio a morte, logo ela, salvar o artigo da semana, que julgávamos natimorto.

domingo, 23 de junho de 2019

ALVORECER


Leda Coletti

Num leve lusco-fusco, de mansinho
desponta o dia em toda realeza
e matas, aves, flores com carinho
 saúdam essa matinal beleza.

O gari põe o lixo no carrinho,
o jornaleiro mostra sua esperteza
na bicicleta de pneu fininho
e a moça sai da cama com leveza.

Todos andam, buscando atingir metas
conhecidas ou não, com ou sem setas,
desejando dar conta da empreitada.

E como o sol que doura a terra inteira,
esperam como prêmio e parceira

plena realização na caminhada.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

COMPUTAMOR



Léa Paiva

Computadores?
Às vezes, computam as dores
Realidade Virtual?
Não produz virtudes
Celulares?
Não revitalizam as células
Televisão?
 Nem sempre faz bem à visão
Tecnologia?
Nem tudo ela propicia

Este mundo de magia, cores, luzes, dígitos
Sons, robôs
Não digo que não me encanta, não me contagia
Mas é feito de máquinas frias
E a internet, então?
Rastrear o mundo, navegar em busca de informações,
Conhecimentos profundos (que não me preenchem profundamente)
Internet muitas vezes não enternece

E, nessa parafernália toda, tem mais a ver com inferno, fornalha, do que outra coisa
Esquenta a cabeça e não derrete o chifre
Pelo contrário: criam-se mais chifres
Por que o fascínio que o homem atual tem pela tecnologia avançada
É tanto, que ele só avança mesmo em imagem de vídeo cassete
Isto pra mim é uma cacetada
Eu quero que essa evolução toda se exploda, imploda, se...
Porque o que eu quero mesmo está no abraço nu de gente
No cheiro de pele, no hálito quente
No corpo suado, no beijo molhado
Na voz, no sussurro bem perto do ouvido..

Sentindo arrepios, de tanta emoção
Ouvindo palavras, perdendo o sentido
No fogo da carne da minha paixão
Gosto da lágrima cálida, do gemido fremente
Do riso do gozo da expressão do amor
Do perfume que exala do meu corpo
Quando toca outro corpo sentindo calor.

Quero cantar, amar, sorrir
Sem controle remoto, tecla ou botão
Quero navegar, planar, voar, sumir
Na internet da alma, do meu coração

O meu computamor não tem impressora, tinta, papel,
Nem cor
É sentimento puro
Sem tirar, nem pôr.