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domingo, 20 de maio de 2018

FELIZ ERA O HOMEM QUE SÓ TINHA UMA CAMISA



Plinio Montagner

No fim da vida nada se leva. Ficam nossa casa, nossa família, o trabalho, o carro, os livros, o velho piano, o gato, o cachorro, as dores que nos castigaram, os amores que nos alegraram, os amigos e inimigos, as contas e pagar e a receber, filhos, netos, genros, noras e sogras.
A vida é curta, dura e algumas vezes tediosa, e assim passa-se toda no desejar. Se as pessoas nos traem, a vida também, pela expectativa de algum dia ser usufruída pelo que foi conquistado. Mas não é esse o prêmio. A idade avançada nos premia mal. Por que não valer-se do bom quando estamos bem de saúde e tudo é novidade e prazeroso?
Não está certo contemplar a tranquilidade e a paz no último quartil da vida. Nesse momento a mente está obscurecida, os sentidos atingidos e o corpo quebrado, operado, dolorido. Nessa fase se sente as sequelas das cutucadas da vida pelo pouco que se aproveita com qualidade. 
As mudanças dos valores, o que é certo e errado, foram outros castigos aos idosos, principalmente a incompatibilidade e o afastamento entre idosos e jovens; os mais velhos não desejam a separação, é a juventude, não por afeição diminuída, mas por desarmonia de interesses e gostos.
 Embora bem-vinda, a tecnologia é a grande vilã. Ela é necessária, mas causou certo desdém ao romantismo. A elegante caneta Parker substituída pela esferográfica, os designers e luxos dos Cadillacs e Thunderbirds pelos modelos cheios de tecnologia, mas sem charme; os bilhetes e passagens das bilheterias pelos ingressos virtuais, dinheiro vivo pelos cartões, e assim será.
A ausência de um chefe nas famílias também favoreceu a desordem do clã pela independência e da liberdade sem limites que afrouxou a harmonia entre pais e filhos.
A abundância de bens trouxe conforto, mas comprometeu o lazer pela expansão do tempo dedicado à administração do patrimônio.
Se descobrissem um elixir da longa vida e da cura de todos os males ainda continuaríamos a nos surpreender em meio a desejos e trabalhando para os outros quem poderiam fazer por si.
Cheios de dores e de alguma feiura, se a cura chegasse, não mudaríamos: continuaríamos a desejar.
Invejar os ricos é um erro. Os abastados são ricos, mas à custa da perda das melhores fases da vida. É preciso aprender que o – pouco - resulta em mais alegrias do que - o muito -, que atrapalha, prende e descarta a serenidade.
 A pobreza, a simplicidade e a ausência de heranças sempre acompanham a juventude. Coincidência ou não, a riqueza e a velhice vêm ao mesmo tempo.
O pobre nada perde em vida nem depois da morte; só perde aquele que deixa bens acumulados. Tendemos sempre deixar para depois o dia de parar de trabalhar para os outros, e passar a cuidar de nós, e assim, continuamos sempre às voltas com bancos, compras, doenças, pintores e vidraceiros.
O pobre está mais próximo da alegria, e o rico, mais da tristeza e das preocupações.

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