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domingo, 17 de setembro de 2017

A GAROTA BELGA

         

                                                                            Eloah Margoni

    Arlon é uma pequena cidade da Bélgica onde, há muitos e muitos séculos, estiveram os romanos, esses metidos. Restos de colunas e artefatos, imagens, pedras de construções daquele povo sobraram lá. Vimos pouco desses objetos arqueológicos porque o museu local estava fechado; aliás quase tudo estava fechado. Era um sábado depois do meio dia quando ali estivemos. Para ajudar era dia friorento com uma chuvinha que caía assim, bem fina mas persistentemente sobre dois seres que vestíamos casacos mas não capas impermeáveis, nem tínhamos guarda-chuvas. Contudo andávamos pelas ruas vendo coisas, teimosos, e gulosos de histórias, de formas, de fachadas bonitas e antigas, ávidos de novidades. Fomos à catedral, gótica naturalmente, e esta era um local luminoso, muito cuidado, pleno de flores, de cores e luzes. Foi a catedral e a igreja mais leve e suave que vimos durante toda essa viagem.
     Ao sairmos da igreja, picamos lá e acolá, palmilhando o chão molhado; vimos outras coisas: Tim Tim e seu cachorro como bonecos numa vitrine de loja na rua deserta, esses personagens de histórias em quadrinhos dos anos 40; vimos um restaurante acolhedor, aberto, no qual almoçamos. Também travamos conhecimentos com uma família portuguesa de mãe, avó e netinho, com a qual conversamos por meia hora. Muito próxima do restaurante havia uma casa de chocolates. A mulher por detrás do balcão não falava uma palavra de inglês e eu de francês não falo quinze delas... Mas pra comprar e vender chocolates, os gestos serviram. Bons chocolates.
       Contudo, pipoca aqui, pipoca lá, já eram horas de acharmos o caminho de volta à estação ferroviária. Devíamos voltar ao hotel em Luxemburgo, cerca de trinta quilômetros dali e onde estávamos hospedados; são aproximadamente quarenta minutos de viagem de trem. Mas... de qual lado ficava a estação?
      A chuva agora piorando e o frio desagradável, em pleno verão europeu, nos faziam ter pressa de encontrarmos o caminho. Então o de sempre, perguntar em inglês para onde deveríamos ir. Mas não estava dando certo... Foi quando vimos aquela moça subindo as escadas as quais descíamos para alcançar a rua debaixo! Ela não combinava nada com o clima, nem com a moda convencional; parecia uma pedra rara, peça estranha, personagem de filme ou de livro. De estatura média, rosto bonito e olhos claros, não era magra propriamente. Teria por volta de vinte e sete, vinte e oito anos. Usava um vestido verde folha, de saia semi rodada, até os joelhos; o tecido não era cetim não, mas semelhante, um pano fino com certo brilho, como esses usados em forros. Por cima do vestido um casaco leve também, de pano meio florido, com cores alegres. O guarda-chuva também florido, de outro tipo de estampado, não descombinava do casaquinho porém. Meias pretas tipo rede e uns sapatos primaveris, de cor creme com saltos em carretel, que achei estranhos. Os cabelos eram escuros com cachos bem feitos, como se os tivesse arranjado assim, e não chegavam aos ombros. Usava óculos de grau.
    Vendo aquela moça assim vestida, pareceu-me evidente que iria encontrar alguém, ou que iria a alguma festa, comemoração, fosse o que fosse. Estava a seu modo “produzida”, desafiando o tempo e a moda. Ao frio talvez estivesse habituada...  
    Pedi-lhe indicações em meu parco inglês. Ela, simpática e sorridente, começou a explicar, mas desistiu. Disse que nos poria no caminho, que achava melhor assim. Fiquei preocupada. Preocupada com ela, com seu compromisso (tinha de haver um compromisso!), com os cachos aparentemente acabados de serem feitos, com a maquilagem, com os sapatos de saltos carretel no chão molhado. “Não”, eu disse. “Será um transtorno para você”. Mas ela insistiu e nós a seguimos por uns quatrocentos metros.

     Ela alegremente contava que era professora de primeiro grau, ou de jardim de infância talvez. Estava animada, parecia feliz em ajudar. Eu, ansiosa por seu horário, e ainda a chuva... Contudo, a bonequinha, a fada, a figurinha de livro sempre sorrindo, colocou-nos no caminho, apontando numa direção, na qual reconhecemos logo o trajeto a ser feito. Não houve como pedir-lhe para fazermos uma foto; seria solicitar demais! Mas, como podem imaginar, disso muito me arrependo, de não ter pedido, e tenho de lembrar dela conforme posso. Aquela ninfa belga de óculos e de guarda-chuva florido, numa tarde friorenta em Arlon.

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