Plinio Montagner
Tenho um amigo cuja amizade já passa de
40 anos. É muito gentil, alegre, mas exigente na comunicação. Traduzindo, tem
mania de corrigir quem escreve e fala errado.
Depois que se aposentou ficou mais
atento ainda à linguagem social. Seus amigos, vez ou outra, o aconselham a
parar com essa mania deselegante, e deixar os outros em paz. Mas não consegue.
Já chegou ao patamar da “tolerância zero”.
Se alguém diz alguma coisa que exija
algum esforço para entender, frases ambíguas, por exemplo, ou ele se faz de
surdo, ou tem uma resposta na hora.
A verdade é que não relaxa. Seu cérebro
não consegue processar a linguagem do dia a dia, frases sem sujeito, sem verbos
ou incompletas. Os jovens, para ele, falam outra língua.
Esse amigo foi professor de Português
durante muitos anos, razão porque esse hábito de corrigir, mesmo em tom de
brincadeira.
Frases com muitos pronomes também não
consegue decifrar. No comércio os diálogos com os vendedores chegam a ser
cômicos.
Um dia eu o acompanhei a uma loja de
ferramentas. Quando chegou sua vez, o vendedor, sem falar bom dia ou boa tarde,
foi direto:
- O
que é o seu?
Bastou para emendar: - O que é meu? Não entendi. O senhor deseja saber o
que eu quero?
Noutra ocasião confidenciou-me que uma
atendente de farmácia disparou: - “O que que
é do senhor?”
Aí, o que ele fez foi uma piada. Tirou
dos bolsos sua esferográfica, um canivetinho suíço, carteira, chaves do carro,
e pôs tudo sobre o balcão:
- Moça, tudo isso aí é meu.
A vendedora ficou com semblante de foto
instantânea.
- Ué, a senhora não me perguntou - o que
que é meu?
Pleonasmos, os mais simples, do tipo “planos
para o futuro, encarar de frente, criar novos cargos, ganhar grátis”, sugerem comentários
engraçados. E fica perguntando: - Alguém encara de lado? Quem ganha alguma coisa,
precisa pagar? Alguém cria cargos velhos? Alguém faz planos que não sejam para o futuro?
Outra pergunta que ele não perdoa é: - O
senhor tem telefone para contato? Daí retruca:
- Mas existe telefone que não seja para
contato?
Em sua casa seus filhos evitam falar
perto dele. Uma vez um deles comentou que à noite ele “soava” muito. Interveio na hora:
- Agora você virou sino?
Outro fato engraçado aconteceu numa revenda
de veículos. O vendedor flagrou-o admirando um carrão, modelo novo. De longe foi
falando:
- Senhor, esse veículo é “filé”. Mas há
um problema. Ele está reservado.
Enjoado de argumentos desse tipo, fez
que não ouviu e dirigiu-se à saída. O vendedor tentou novo contato:
- Mas o senhor já vai? E o carro? Não vai
levar?
- Eu queria, mas o senhor me disse que estava
prometido a outro comprador...
- Sim, mas podemos negociar outro carro
com ele...
- Ah, não! Não vou estragar o prazer desse
outro cliente. Imagine se ele vier à loja para levar o carro e o senhor dizer a
ele que já foi vendido...
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