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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

De metal e sonho


Carmen M.S.F.Pilotto

               "Triste como um pôr do sol" (Fernando Pessoa)

No alto do Chiado
defronte da "A Brasileira"
você agora espreita
o burburinho contemporâneo
E a maioria ensandecida
nem se apercebe da silhueta atrás dos aros
circunspecto na esplanada do café
Todos fingidores de destinos
se deleitam com o consumo excessivo
que não prevê emoções e palavras
trocadas que foram por sacolas cheias
reflexos de suas almas vazias...

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CONDENADA NA SOLIDÃO



Amanda Fleury

Ela, aprisionada por si mesma, em sua gaiola invisível
sente os ventos que mudam de direção,
calam palavras mudas
E as levam para longe...
Pensamentos imploram por liberdade se contradizem

deixando-a refém da sua própria solidão.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Ilha da Madeira *


Ivana Maria França de Negri

Visitar as origens é sempre emocionante. Meu bisavô paterno veio da Ilha da Madeira para o Brasil, aqui casou-se, formou família e nunca mais retornou.
Tive a oportunidade de visitar a Ilha neste réveillon. Um lugar belíssimo, sem índices de criminalidade, chamada de “A Pérola do Atlântico”.
Distante de Lisboa quase mil quilômetros, envolta pelas águas azuis do oceano, possui cerca de 250 mil habitantes. Como em toda localidade européia, tem a parte antiga e a moderna, rodeada de vinhas onde se produz o famoso vinho Madeira.
A cidade de Funchal, capital da Ilha, totalmente voltada ao turismo, tem esse nome por causa do funcho, que é a flor da erva-doce. As árvores frondosas e centenárias e as casinhas típicas enfeitadas com azulejos azuis, emprestam à cidade um ar de sonho. De natureza vulcânica, tem muitas escarpas, morros e paisagens incríveis.
Mesmo no inverno, o clima é agradável. A culinária deliciosa, e os doces, irresistíveis!
Existe o pão do caco, uma iguaria que é oferecida em todos os restaurantes, lanchonetes e hotéis. Feito de uma mistura de trigo, fermento, água e batata doce, assado na pedra e servido quente com pasta de alho e salsa.
Visitar o Mercado dos Lavradores é obrigatório para se conhecer as frutas típicas da região e o artesanato local, um dos mais famosos do mundo. As bordadeiras da Madeira ficam nas portas das casas e das lojas a bordar com perfeição as guarnições de mesa, camisolas, guardanapos, mas os preços são um tanto salgados para quem não ganha em euros, pois tudo é feito à mão, e ao turista, só resta trazer uma peça pequena.
Fizemos um passeio com duração de cerca de três horas, num barco que é réplica da caravela Santa Maria de Colombo. A nau vai até o meio do oceano impulsionada pelos motores, mas quando está bem longe do cais, são desligados os motores,  içadas as velas, e o barco fica ao sabor das ondas e do vento. Uma experiência única, com a tripulação vestida com roupas da época. Dá para sentir ao vivo e em cores as sensações como nos tempos dos descobrimentos, é como se estivéssemos de volta ao século XV. Às vezes se avistam baleias e golfinhos ao redor da embarcação.
Há também vários museus, um Jardim Botânico com árvores ornamentais e frutíferas  e passeios de teleférico ou ônibus turísticos de dois andares.
Mas existe uma atração imperdível, exclusiva da Ilha da Madeira, que são os “carros de cesto”, uma espécie de trenó, sem rodas, trançado em vime que desliza pelas ladeiras em grande velocidade, movidos a cordas pelos “carreiros”, dois homens que usam sapatos com solado de pneus para as freadas. É algo inusitado e diferente e a ladeira de dois quilômetros, percorre-se em menos de dez minutos. Adrenalina pura! Em 1850 era meio de transporte, agora é atração turística. Como o tempo todo os carros de cesto deslizam morro abaixo, as pedras se tornaram polidas e lisas como sabão.
Do alto do teleférico avistam-se nos morros as belas habitações, casas coloridas e floridas, ao contrario do Brasil que possui só barracos nas favelas empobrecendo a paisagem.
Fico imaginando por que meu bisavô imigrou sozinho para o Brasil, aos dezoito anos, para começar uma vida nova no início do século XX.
Fiquei emocionada ao pisar naquele solo de meus ancestrais, reencontrando minhas raízes portuguesas. Pela parte materna meus antepassados vieram da Itália.

Que mistura, que sina... Amo os doces portugueses e as massas italianas!

* texto publicado na GAZETA DE PIRACICABA 21/01/2015
Veja também em CulturallMind

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

PERDAS DE MIM


Raquel Delvaje


Essa noite andei pelas ruas
De mãos dadas comigo
E de repente me perdi de mim
E pelas ruas eu tropecei em perdas
Enfim, ficou um pedaço em cada esquina.
E sobraram-me braços sem abraços
E metade de mim, sem outra parte
E o caminho que eu tanto conhecia
Cruza agora com vias e ruelas
Dantes nunca visitadas
Ruas feitas de perdas pequeninas
Que levaram metade de mim
Levaram olhos, pernas e corpo de minha alma

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

OLHARES


Elda Nympha Cobra Silveira

Ao encontrar pessoas, podemos captar o significado do seu olhar. Eles diferem, dependendo de cada estado de espírito ou faixa etária.. Quanta inocência transparece no olhar de um bebê. Seu olhar é curioso por tudo que o cerca porque está nos limiares do conhecimento, da comunicação de emoções, como carinho, pedido de socorro ou por sobrevivência, por ter total dependência, portanto seu olhar é interrogativo e observador. Parece até que vemos um anjo que ainda não se assentou na Terra. Esse olhar de busca traz para quem cuida, a satisfação, o encanto por se sentir eleita na firmação dos seus valores e capacidades. O amor de uma criança é sempre verdadeiro e sincero. Ela sabe sorrir com os olhos quando está feliz.
O olhar de uma mãe ou pai, ou avós que babam de amor por aquele rebento que veio iluminar suas vidas, é o olhar que derrama com toda doçura, ele é como mel. Mas são muito diferentes os olhares de duas pessoas apaixonadas. Nem precisam dizer que se amam, é obvio! Basta ver seus olhares de um para o outro. São olhares quentes de mormaço, cheios de paixão e apelo sexual.. É como um apelo de masculinidade ou feminilidade: o encontro de almas sedentas por se completarem. Não precisam de palavras, a expressividade de seus entreolhares fala por eles.
Mas o olhar de uma pessoa má, de um criminoso, é totalmente carregado de rancor, e esse ódio distila de suas pupilas como uma rajada de balas. Se ele pudesse ferir com seu olhar, atingiria sua meta de maldade. Faz-me lembrar do olhar de Barrabás, de Judas e outros personagens das histórias, e são muito diferentes do olhar de Jesus que era só mansidão. Entre numa penitenciaria e veja a expressão dos detentos. Eles são carregados de ódio, se sentem injustiçados. Alimentam-se de rancor, não atinam que estão presos porque não podem conviver em sociedade, são como animais bravios na corrente, e se soltos, poucos se modificam para o bem. Também porque as prisões não são  reformatórios, mas  escolas de crime.. 
Já notaram que também animais expressam suas emoções? Quem tem um animal sabe como seus olhares traduzem afeto, fidelidade, raiva, doçura. Até um animal feroz se socializa com os humanos se tiver bons tratos, senão pode virar um monstro.                                                                             Às vezes uma pessoa encontra mais afeto ao entrar em casa e ser recebido por seu cão de olhar meigo, e como diz Roberto Carlos “ele me sorriu latindo” “do que pela sua própria família.

E o roçar lânguido nas nossas pernas pela gatinha manhosa, miando e procurando carinho, olhando para você ternamente... E são bichos hein? Muitas pessoas idosas  sequiosas de atenção e carinho, são assim porque pela vida toda viveram para os familiares e amigos, mas receberam em troca o abandono. E por não estarem recebendo de volta o que deram com tanto afeto, seus olhares hoje são tristes, de quem se sente inútil, e isolado da família. Ninguém tem mais tempo para eles, todos são muito ocupados e por incrível que pareça, os idosos procuram entender essa situação e dão todo desconto por essas vicissitudes que os magoam e entristece. Muitos procuram disfarçar, mas seus olhares lacrimosos e desiludidos são evidentes quando sentem,  na pele esse terrível problema.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Mania de corrigir


Plinio Montagner 

Tenho um amigo cuja amizade já passa de 40 anos. É muito gentil, alegre, mas exigente na comunicação. Traduzindo, tem mania de corrigir quem escreve e fala errado.
Depois que se aposentou ficou mais atento ainda à linguagem social. Seus amigos, vez ou outra, o aconselham a parar com essa mania deselegante, e deixar os outros em paz. Mas não consegue. Já chegou ao patamar da “tolerância zero”.
Se alguém diz alguma coisa que exija algum esforço para entender, frases ambíguas, por exemplo, ou ele se faz de surdo, ou tem uma resposta na hora.
A verdade é que não relaxa. Seu cérebro não consegue processar a linguagem do dia a dia, frases sem sujeito, sem verbos ou incompletas. Os jovens, para ele, falam outra língua.
Esse amigo foi professor de Português durante muitos anos, razão porque esse hábito de corrigir, mesmo em tom de brincadeira.
Frases com muitos pronomes também não consegue decifrar. No comércio os diálogos com os vendedores chegam a ser cômicos.
Um dia eu o acompanhei a uma loja de ferramentas. Quando chegou sua vez, o vendedor, sem falar bom dia ou boa tarde, foi direto:
- O que é o seu?
Bastou para emendar: - O que é meu? Não entendi. O senhor deseja saber o que eu quero?
Noutra ocasião confidenciou-me que uma atendente de farmácia disparou: - “O que que é do senhor?”  
Aí, o que ele fez foi uma piada. Tirou dos bolsos sua esferográfica, um canivetinho suíço, carteira, chaves do carro, e pôs tudo sobre o balcão:
- Moça, tudo isso aí é meu.
A vendedora ficou com semblante de foto instantânea.
- Ué, a senhora não me perguntou - o que que é meu?
Pleonasmos, os mais simples, do tipo “planos para o futuro, encarar de frente, criar novos cargos, ganhar grátis”, sugerem comentários engraçados. E fica perguntando: - Alguém encara de lado? Quem ganha alguma coisa, precisa pagar? Alguém cria cargos velhos? Alguém faz planos que não sejam para o futuro?
Outra pergunta que ele não perdoa é: - O senhor tem telefone para contato?  Daí retruca:
- Mas existe telefone que não seja para contato?
Em sua casa seus filhos evitam falar perto dele. Uma vez um deles comentou que à noite ele “soava” muito. Interveio na hora:
- Agora você virou sino?
Outro fato engraçado aconteceu numa revenda de veículos. O vendedor flagrou-o admirando um carrão, modelo novo. De longe foi falando:
- Senhor, esse veículo é “filé”. Mas há um problema. Ele está reservado.
Enjoado de argumentos desse tipo, fez que não ouviu e dirigiu-se à saída. O vendedor tentou novo contato:
- Mas o senhor já vai? E o carro? Não vai levar?
- Eu queria, mas o senhor me disse que estava prometido a outro comprador...
- Sim, mas podemos negociar outro carro com ele...

- Ah, não! Não vou estragar o prazer desse outro cliente. Imagine se ele vier à loja para levar o carro e o senhor dizer a ele que já foi vendido...

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

NÃO QUERO TÍTULOS


Luzia Stocco

Da paz, as andorinhas
Realçam o céu de anil
Se Natal, sorria!
Se Ano Novo, sorria!
Se todo dia sorria
Cada dia, um novo dia
Cada Sol, um novo Sol
Que na aurora já desponta
Se não... há o vento
Trazendo lembranças de vitórias
Vitórias de um Mestre
Que sempre se achava aprendiz
Como dos grandes mestres se diz.
Divino, humilde e acolhedor
Faz-se presente na alegria e na dor
Portanto, nesse natal
Prometo não pensar nas atrocidades
Que se despontam fora e dentro de nosso ser.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

PESADELOS




Daniela Daragoni Alves

Tenho tido pesadelos
Sonhos ruins... não quero lembrar...
Tenho tido pesadelos
Desses que nos fazem procurar a cama dos pais ao acordar.

Sonhei que o mundo era cruel
Que as pessoas mudavam, que havia maldade ao nosso redor
Então acordei gritando o nome da minha mãe
Porque do lado dela qualquer medo fica menor.

Tenho tido pesadelos
Acordei chorando, pedindo ajuda, querendo fugir
Mas esses pesadelos estão estranhos pai
Me protege e me tira daqui...

Tenho tido pesadelos
Mas a dor tá tão real, to começando a desconfiar
Que não é pesadelo não, mas sim um momento ruim
Que não quer passar...

Tive um pesadelo
Mas meu pai não veio me dar um copo dʹ água com açúcar
Minha mãe não veio contar uma história até eu dormir...
Sonhei que eu tinha ficado adulta e tinha que me virar sozinha
Quando tivesse um sonho ruim.