Para Pedro Francisco por Zilma Bandel
Precisava de um estímulo para sair do meu esvaziamento
de alma e mente que não me permitia ordenar ideias e brotar palavras para
escrever ou me comunicar de maneira tranquila e prazerosa com quem tem,
generosamente, me acompanhado neste espaço. Mais uma vez, estou aqui. Que bom
para mim, que bom!
Não sou escritora. Mas, como diz Leminski, “Escrevo. E
pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada
com isso.…Eu escrevo apenas. Tem que ter porquê?”
Sem nem a mais longínqua pretensão de me comparar a
Leminski, poeta incomparável, apenas escrevo. Outra noite assisti – mais
uma entre tantas vezes – ao filme “O Poderoso Chefão -3”. Não tolero violência,
agressões e transgressões de qualquer natureza. Elas me agridem e incomodam. Só
que não consigo deixar de amar essa trilogia, esse cinema da melhor e especial
qualidade. Al Pacino está perfeito, como sempre. Escrevo sobre isso porque esse
foi o estímulo de que precisava e a que me referi no início deste texto. Há uma
cena nesse filme que está gravada na minha memória, pelo impacto que me causou
desde a primeira vez que assisti: o grito de Michael Corleone (interpretado por
Al Pacino) ao lado da filha assassinada. Difícil que eu seja tocada de modo
mais forte por qualquer outra cena de qualquer outro filme. Impossível falar
dos sentimentos de que esse grito fala. Dor talvez resuma todos.
E impossível também não vir à lembrança o quadro “O
Grito”, do pintor norueguês Edvard Munch. Mais simbólico, menos real, ao menos
para mim, mas também com muita angústia e desespero nas formas e cores
escolhidas pelo talento de seu autor.
Já me vi algumas vezes, em especial, em situações
recentes de minha vida, com esse grito preso na minha garganta. E ele ficou
sempre preso. Al Pacino consegue, de maneira magistral, soltá-lo. Ele grita por
mim. Talvez por causa disso ame essa cena.
Tenho sido invadida – pena não conseguir a blindagem
necessária para me proteger – por uma grande perplexidade diante de posturas de
pessoas no público e privado, em situações que me assombram, tanto no nosso
país como no mundo, pela rudeza, pela violência, outras vezes pela falta de
refinamento e elegância, de sensatez e lucidez, que tanto prezo nas relações de
todo o tipo, sejam pessoais ou institucionais.
Não falo em indignação, porque sinto que essa palavra
carregue certo julgamento. Não sou perfeita – ninguém é. Não sou dona da
verdade – ninguém é. Portanto, procuro não julgar. Estou simplesmente
perplexa a ponto de sentir dor na alma. E essa dor veio também por ver o
sofrimento de muitas pessoas que, por sua dignidade, não poderiam sofrer as
consequências de violência gratuita, sem noção, oportunista.
Essa dor veio também por causa do sofrimento de uma
criança, – e de tantas que foram se somando por terem histórias semelhantes –
que veio ao mundo feliz, esperada, amada, mas teve que passar por momentos que
não desejo a nenhum e a qualquer ser humano. Essa dor veio também pelo
sofrimento dos seus pais que não a deixaram por nenhum momento, lhe dando a boa
energia, boas vibrações, suas orações, sua fé. Essa dor veio também pelo
sofrimento de sua irmã, separada dos pais e irmão, sem entender bem o que
acontecia.
São tantas as dores que sinto também por causa de
crianças abandonadas, molestadas sexualmente, soltas no mundo, expostas e
aproveitadas pelo crime. Todas sem o aconchego, sem o amor de uma família. E
acredito que seja assim com vocês também. Dor. Quantas vezes, por tudo isso,
tive esse grito preso na garganta. Adélia Padro, portadora de um mundo
interior de grande exuberância, em uma de suas entrevistas, diz: “o sofrimento
é importantíssimo porque ele é condição de mais consciência. Fugir da dor é
perda de tempo. E é possível sofrer em paz”. Acredito em Adélia. Não é
fácil, mas é possível sofrer, e crescer com isso, em paz.
A criança, um lindo menino, a que me referi junto com
seus pais e irmã, assim que pôde voltar ao colo da mãe, voltou também a sorrir.
Ainda tem um longo processo de recuperação, exigindo cuidados especiais – e que
lhe sobram – a serem dados por profissionais e pela dedicada e amorosa família.
E seu sorriso voltou a ser sua marca registrada. Sorri
de alegria, mas sinto que, principalmente, sorri de gratidão por todo o amor,
toda a boa vibração, todas as orações de sua família, e todo o excelente
trabalho e cuidados dos profissionais a que foi entregue. Sorri de gratidão por
todas as pessoas muito queridas que, generosamente, não o abandonaram em nenhum
momento e que, à distância, lhe deram o suporte e a força espiritual necessários
para a difícil e longa recuperação. Terna vivência de afetos que a vida não
apagará de sua vida e de sua família, pelo tanto que os amparou e fortaleceu em
sua fé.
Meu sorriso, hoje, também é de gratidão. E sorrio em
paz. A paz que veio do tanto sofrer que não me tirou a lucidez, a luz. É
um encantamento. Transborda. Hoje sei que não preciso do grito do Al
Pacino. Basta, porque me faz feliz, o lindo sorriso do meu valente,
guerreiro e muito amado neto Pedrinho.
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