Cida Carvalho
A arte de escrever me fascina! Desde menina me encantava
com os livros, com os jornais que chegavam a casa embrulhando algum produto
comprado na venda do Sr. Mané... Mesmo antes de aprender a ler, eu fingia ler
com um livro na mão, no portão de casa. Queria que as pessoas vissem que eu já
era uma leitora, achava importante, bonito! Fico encantada com cada texto que leio,
ouço e vejo: num livro, num filme ou num
programa inteligente na televisivo. Há tempos me pergunto: Que ser é esse que
escreve? Que sensibilidade e inteligência apurada e extraordinária têm um
escritor!Podem dizer que escrever bem está relacionado a escrever sempre. Isso
é fato, mas não responde e não expressa com valia sobre quem está por trás desta
arte intrigante, fascinante que é dar à simples folhas de papel em branco - vidas,
amores, emoções, problemáticas; numa harmonia plural, capaz de nos transportar
a lugares distantes, numa riqueza de detalhes e impressões que exigem algo mais
da nossa inteligência, provocando sentimentos e contemplações. A linguagem pode
ser coloquial ou erudita, romântica ou pragmática, política ou humanitária, um
retrato da realidade ou uma ficção, não importa! O autor de um bom texto é
alguém em sintonia com o macro e microcosmo, sempre para além do imaginado,
aquele que nos provoca e nos envolve!
Nas mãos de um escritor uma folha em branco tem em si milhares
de possibilidades, isso é sedutor! Uma folha em branco degustará satisfeita: um
conto o qual pedirá várias páginas risonhas ou tristes ou ainda temerosas por
um final trágico. Uma poesia pode fazê-la suspirar e entrar em estado
introspectivo, metafísico. O autor escolhe ver e sentir o mundo diante de uma
folha de papel ou do teclado de um computador, ele decide jogar-se por inteiro
na dança das palavras, dando ritmo às idéias que chegam espontaneamente ou
racionalmente ao papel.
Que ser é esse, o escritor? Ele se atreve chegar ao
limiar da loucura, com um desprendimento, que lhe confere a capacidade de
criar, permitindo-se transcender o mundo fático. O escritor é aquele que
escreve enquanto inspira e respira porque escreve!
Sempre pensei no autor como um ser de um planeta superior,
conectado com dimensões paralelas. Como pode tanta idéia se formar a revelia do
senso comum, tomar corpo singular em forma de palavras na mente de um ser
humano? Imagine, por exemplo, um escritor de novelas, gênero tão difundido aqui
no Brasil. Ele cria o enredo, a trama dramática ou cômica da novela, ou as
duas; cria cada personagem com o seu perfil psicológico, escreve cada fala e
ação da mesma, pesquisa universos distintos do seu dia-a-dia para servir de
pano de fundo a narrativa. Não. Definitivamente o escritor não é uma pessoa
comum, com faculdades comuns!
Li um conto uma vez, não lembro o título, mas lembro do
livro – Contos de amor e morte – do
escritor austríaco Arthur
Schnitzler, ele viveu a riquíssima transição entre os séculos XIX e XX. Este autor era também médico, foi muitas vezes
comparado a Freud, tinha um estilo no mínimo intrigante, escrevia usando a
técnica do monólogo intimo. A
psicologia e a psiquiatria muito influenciaram este médico escritor, em seus
livros ele mostrava de forma dramática o inconsciente de suas personagens, com
tanta intensidade que o imaginário dos seus protagonistas, nada deixava a dever
a realidade aos seus pacientes. Bem, voltemos ao conto do qual não me recordo o
nome. Nele Arthur Schnitzler, conta a história de um escritor que se apaixona
pela protagonista do seu romance, a qual toma as rédeas da trama, chegando a
rejeitar o seu enamorado criador, este por sua vez não suportando a indiferença
da amada pensa em matá-la, em levá-la a morte para que com ela morresse também
a sua indiferença, o tormento acusador
da rejeição no coração dele – o autor. Rejeitado que era, no entanto sem
coragem para eliminá-la com a pena, ao final das contas é o autor que morre de
amor não correspondido, as mínguas, esperando as migalhas da amada mal
agradecida. Fiquei presa a ele, ao autor real e ao autor criado por Arthur Schnitzler,
ambos me renderam, me fizeram refém por querer. O bom escritor é assim, nos faz apaixonados por sua obra,
ele se confunde a ela, e nos prende a
ele através dela.
Pensar o impensado faz do escritor um gênio em si mesmo. O
escritor faz contato com o mundo externo e interno ao mesmo tempo, contato, com
o mundo dos outros e com o seu mundo. Um escritor é antes de tudo um leitor.
Sim um escritor lê o que está a sua volta, coloca-se no lugar do seu leitor e decodifica
a vida, o cotidiano a sua maneira, com os olhos do seu interior, é também um
leitor de outros autores. O interior de um escritor fica exposto e camuflado ao
mesmo tempo, assim ele nos alimenta nos acorda, nos faz amantes da leitura, da
palavra, nos faz pessoas melhores!
Quero aplaudir apaixonadamente todos os escritores, parabenizo estes
encantadores de gente, que com sua sensibilidade e entendimento, nos
transportam a mundos inimagináveis, e nos fazem entrar em contato com a nossa
complexidade. Ao autor que assume a responsabilidades múltiplas em compromisso
com a cultura, como o saber, com a emoção e descobertas, responsabilidade ética
e estética.
Cida Carvalho
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