Christina
A. Negro Silva
Dizem que os olhos são as janelas da alma. Não há ditado melhor para definir meus sentimentos sobre a Itália...minha alma voltou de lá florida, como as janelas das casas italianas. Não somente as fenestras são enfeitadas – portas, escadas, até pontes são adornadas com flores. Os olhos dos passantes ficam sorrindo e pelas ruas vão seguindo outros encantos – uma caminhonete minúscula, parecendo de brinquedo, carregada de caixas de maçãs; um cachorro diferente, mas simpático ao nosso chamado; as montanhas suntuosas; oliveiras ao sabor do vento, roseiras multicores nos jardins públicos e particulares; as parreiras impecáveis amadurecendo vinhos; as fontes de água boa e cristalina nas piazzas, nos parques, entre arvoredos, nas ruas. Impossível manter-se indiferente, sem soltar um oh ! que lindo ! Outros sentidos também ficam aguçados – olores variados de flores, temperos, plantas do campo, abrem caminho para o paladar degustar sabores incríveis – um café macchiatto, o indescritível tiramissu , as tortas de mil folhas com creme de baunilha saborosíssimas, as pastas al dente, o gelatto ( depois de provar o sorvete de cereja fresca, não me atrevo mais a pedir este sabor nas sorveterias – quero guardar para sempre aquela sensação travessa de saborear algo único na vida ).
Puxa, desculpe-me, amigo leitor, estava tão ansiosa para
escrever as minhas impressões sobre a Itália que nem me dei conta de que não
fiz as apresentações necessárias para a leitura desta crônica. Pois bem, depois
de anos ensaiando uma viagem de retorno às origens italianas (meus quatro avós
eram italianos), finalmente, tirei quinze dias de férias e fui conferir tudo o
que, em sonhos, imaginava sobre a terra de meus nonos. Confesso que encontrei muito mais do que ousei sonhar, ainda
bem ! Minha nonna Emma costumava
dizer que tudo era bonito, mas como viera muito criança para o Brasil, às
vezes, sua memória a traía e ela misturava as paisagens. Ela veio de Pádua (Padova,
em italiano, a terra de Santo Antonio), local muito próximo de onde fiquei
hospedada por 10 dias e posso dizer, com
certeza, que minha nonna não fez propaganda enganosa – a paisagem de folhinha
(alguém se lembra ?) nos cercava e acompanhou-nos por toda a nossa estada
naquele belo país. Uso o “nós”, porque fiz parte de uma excursão de
descendentes de tiroleses de Piracicaba e de outras cidades do Brasil que
viajaram para ver ou rever seus parentes que ficaram por lá. Tive sorte, fui
bem acompanhada e a viagem tornou-se ainda mais prazerosa – nada como estar
rodeada de pessoas alegres, educadas e prontas para tudo, de bom, claro !
Nesse período, tivemos um tour
bem variado: conhecemos Roma a pé...meu
Deus, acho que nunca andei tanto na vida ! Chegava ao hotel exausta, um banho e
cama. Como não emocionar-me com os afrescos da Capela Sistina ! ou apreciar os
detalhes da “Pietá” ? ou aguardar pacientemente nas filas de acesso à Basílica
de São Pedro, ao Museu ? e tomando sol
de verão na praça do Vaticano! Roma é uma cidade engraçada, contemporânea,
normal, cheia de prédios e lojas e ... de repente, no meio de tudo – um
monumento do passado – a Fontana de Trevi
, contrariando o que sempre imaginei, fica prensada entre edifícios, e só
não é acanhada, porque é de uma beleza ímpar e atrai para si toda a atenção dos
turistas (se bem que muitos estavam mais interessados nas lojinhas ao
redor -
tempos de consumo !).
De Roma a Assis, uma cidade
medieval no século XXI. Novamente, impossível não sentir emoção à flor da pele.
São Francisco de Assis tem um carisma extraordinário ainda hoje – rezar sua
oração da humildade dentro da sua igreja é um privilégio do qual não abri mão e
abri meu coração para as lágrimas correrem à vontade. Que força espiritual
maravilhosa, que cidadezinha linda, que paisagem deslumbrante ! Flores e mais
flores nas ruas, janelas, paredes de pedra.
Veneza, então, é uma coisa de
louco! Literalmente. Aquela muvuca de gôndolas, barcos, lanchas, ferryboat e sei lá mais como chamar os
transportes marítimos ali...ai, meu Deus,
agora vai bater...vupt ! que fina!
os gondoleiros garbosos (o nosso era também cantor dos bons !) mostram toda sua
habilidade naquele trânsito maluco. As ruelas entre o casario medieval, em
terra, também são lotadas de transeuntes, as lojinhas de souvenires idem. Onde
achar um banheiro ? ou um banco para descansar as cansadas pernas ? Missão
difícil ! Naquele dia nessa magnífica cidade-ilha, houve um terremoto – 3
pontos e meio na escala, percebido por alguns companheiros da excursão. No
momento, estávamos passeando de gôndola e nem o iríamos sentir tal o chacoalhar
de ondas do grande canal. Aventuras de turista para guardar para a posteridade.
Horas de trem bala pela Toscana
foram outro presente para os descendentes dos imigrantes italianos. Marcas do
recente terremoto em alguns lugarejos, rolos de feno a perder de vista pelos
pastos, plantações douradas de trigo que me remanesceram trechos de “ O pequeno
príncipe”, uma vasta planície verde e agriculturável totalmente ( nosso código
florestal não teria sucesso ali, não. Plantações de videira, principalmente,
nas encostas dos morros, deixaria com vertigem os ecologistas brasileiros mais
extremados). De repente, norte da Itália, gigantescas montanhas emparedando as
cidades da região de Trento. As imponentes dolomitas sustentando os Alpes...Ah,
a neve ! que espetáculo raro para mim, voltei a ser criança, jogando bolas
geladas nos colegas, recebendo outras, afundando o pé nos montes brancos e
fofos, observando entre fascinada e respeitosa os picos alvos dos Alpes e as fronteiras
– logo ali, Áustria, Alemanha, mais adiante, a Suiça. Aulas de geografia ao
vivo e em cores, apesar do branco liderar absoluto.
De Trento, partíamos todos os
dias bem cedo para conhecer outros locais igualmente maravilhosos – o lago
Smeraldo, gelado, formado pelo derretimento da neve no verão europeu; o
santuário de São Romédio – edificado sobre um penhasco, cuja subida já era uma
promessa a ser cumprida. Paisagens de tirar o fôlego – castelos remanescentes
do período feudal, suntuosos no alto das montanhas menores, os vales
emoldurados por rios verde-acinzentados ( forte presença do calcário ) ,
espessos e velozes, sinuosos pela paisagem verde, florida; a travessia de balsa
de Riva del Garda para Limone, um lugarejo incrustrado na montanha, de uma
beleza singular. Classifico-o em primeiro lugar no item - “paisagem de
folhinha”. Sentar em frente à lagoa, saboreando um spritz no fim de tarde ... que tudo !
Agora, um destaque à parte para
os tiroleses ! Que povo hospitaleiro, alegre;
junto com eles revivi cenas de minha infância: minha família sempre
esteve rodeada de parentes para reuniões festivas – jantares, almoços, onde
havia abundância de comida, vinho bom e música. Assim como lá. Bateu-me uma
sensação de deja vu e entrei no clima : comi, bebi, cantei,
chorei, lavei a alma ! Saudades de meus queridos que já se foram, mas que me
deixaram de herança essa paixão por tudo o que nos toca e faz bem ao coração –
marca latina da qual muito me orgulho. O coro La Tor, formado essencialmente por homens, parece ainda ecoar em
meus ouvidos – que afinação ! que harmonia ! quantas saudades !
Tenho ainda muito mais para dizer
sobre este país que, se não é meu de nascimento, sempre o foi de minha cultura
doméstica – cresci ouvindo histórias de lá, cantando as músicas folclóricas e
populares da Itália, aprendendo os aromas da culinária italiana, apreciando o bouquet de bons vinhos, degustando as
sobremesas deliciosas e seus cafés cheios de personalidade. Vou finalizar este
texto, porém. Outro dia, volto a abrir o relicário da minha alma para contar um
pouco mais de onde tudo começou ...
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