LEMBRANÇAS NATALINAS
Adenize Maria Costa
Tenho verdadeira aversão a essa coisa de “Papai Noel”, de bom velhinho, desde a minha infância. Nunca ganhei presente do Papai Noel, nem Ovos do “Coelhinho da Páscoa”. Nossa pobreza sequer permitia que acreditássemos nessas coisas. Quando tinha de sete para oito anos, tinha uma amiga que era “rica” ela era filha do Engenheiro responsável pela Estação Experimental onde morávamos. Estudávamos na mesma sala, pegava carona com ela quase todos os dias. Estudávamos juntas, brincávamos juntas, nunca tive o menor receio ou constrangimento em levá-la na minha casa, mesmo sendo uma casa simples e pobre, era casa de colônia. Lembro-me tão bem que, alguns meses antes do Natal, ela me disse que o Papai Noel traria para ela uma boneca Susi e uma bicicleta eu fiquei intrigada com aquilo, por que o Papai Noel traria dois presentes pra ela e nenhum pra mim? Perguntei a minha amiga como ela sabia disso e ela me ensinou direitinho como fazer pra ganhar um presente do Papai Noel ... Fiquei com aquilo guardado na cabeça e no coração, torcendo para que chegasse logo a véspera do dia de Natal... Desse em dia em diante, logo pela manhã, perguntava para a minha avó e para a minha tia quanto tempo faltava pra o Natal. Até que acabou o ano letivo e em seguida os “rumores natalinos” ficaram mais evidentes... Então me preparei, escrevi minha cartinha ao Papai Noel pedindo presentes pra mim e para minhas irmãs que moravam lá em São Paulo com meus pais, pedi presentes pra os meus primos já adolescentes, lembro-me que para o Ziquinho pedi uma bicicleta nova com farolete para que ele pudesse voltar pra casa a noite sem correr o risco de cair da bicicleta, acreditava que o motivo de suas quedas constantes era por causa da escuridão, não imaginava que “as cachaças “ que tomava na venda do Sr. Laurindo, ou do Sr. João Pavan eram a causa de tantos tombos e arranhões.
Minha carta ficou pronta com certeza todos ficariam contentes porque pedi presentes a todos até para os meus amigos vizinhos. Quando anoiteceu coloquei minha cartinha dentro do único sapato que tinha, que, aliás, ganhei do meu tio, irmão caçula da minha mãe e quando o ganhei, calçava o sapato pra dormir, tinha dó de usá-lo e sujá-lo.
Demorei muito a dormir naquela noite ao menor barulho da Lili ou do Ringo no quintal corria espiar pela fresta da janela, queria ver se conseguia flagrar o Papai Noel deixando nossos presentes. Lá pelas tantas o sono falou mais alto...
Na manhã seguinte acordei, dei um salto da cama e fui correndo na janela pra ver... Minha decepção ficou estampada na minha cara, no meu andar, na minha voz... Quando entrei na cozinha, minha tia olhou–me com o mesmo olhar carinhoso de todos os dias .. Pedi a sua benção e ela me perguntou: “ O que foi fia? Por que acordou cedo? “ Contei a ela o que estava acontecendo segurando a máximo o choro e tentando esconder as lágrimas que insistiam em se formar nos meus olhos... E ela me disse então, cheia de alegria e de amor, que eram características marcantes dessa minha tia-mãe: “Fia, não fica triste... Papai Noel não existe... Isso é coisa de gente que não tem o que ‘fazê’. Hoje é o aniversário do Menino Jesus, esse sim, não se esquece de ninguém... Ele era filho de Deus mais nasceu pobrezinho, mais pobre do que ‘nóis ‘... Ele sofreu , Fia, sofreu aquilo que nenhum homem no mundo agüentava sofrê... E a Nossa Senhora? Que tristeza... não teve nem um lugar decente pro ‘fiinho’ dela ‘nascê’... Num fica triste ‘minha fia’ porque senão ‘ocê’ vai ‘fazê’ o Menino Jesus ‘ficá’ triste “.
A partir desse ano a história do Menino Jesus era contada com detalhes pela minha tia, às vezes ela contava com tanta tristeza que eu até chorava... Mas depois da história, vinha o abraço apertado e o beijo “estralado” daquela boca sem dentes que me falavam palavras de Sabedoria, palavras que consolavam meu coração de criança pobre e esquecida pelo Papai Noel.
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