CEMITÉRIO DA SAUDADE
Ruth Carvalho Lima de Assunção
Os traumas, inquietações, momentos inspiradores e sonhos vão continuamente, como num filme, desfilando em imagens que sustentam o dia a dia do ser vivente.
Um cotidiano de rotinas se desenrolando e fazendo da vida aquela colcha de retalhos de cores vivas e acariciantes, e muitas vezes exaltando o negror das desventuras e frustrações. Os artifícios da mente humana vão se valendo dos recursos artísticos, no gerar um ganho onipresente, na instalação do mistério do olhar.
Os corpos dos heróis da Grécia Clássica não poderiam ser sepultados sem uma mortalha, sem o sudário. Uma homenagem singela aos seus homens ilustres.
Em nosso outono as folhas secas atapetam ruas e jardins. Já se prenuncia a próxima estação, que virá depois dos casacos e cobertores. Mas retornará cheia de encantos em suas múltiplas tonalidades, tornando o brilho do olhar mais intenso.
Um lindo sol resplandece, a bola de fogo surge iluminando um novo dia, um novo renascer. O mesmo Pai Nosso, nas inquietações de cada dia, que levantam questionamentos, que aprofundam novos conceitos.
O cemitério se desloca do centro da urbe e vai ocupar o alto da colina, tornando-se um monumento em destaque, na preservação da memória Piracicabana.
Numa dessas manhãs de sol abro o jornal, e nos Serviços Funerários deparo com a notícia do falecimento de uma ex-professora de História, Irmã Margarida. Reporto-me aos tempos de estudante e vou me lembrando de suas lições admiráveis, o conteúdo de suas histórias sobre o crescimento da cidade, com suas mudanças e seu desenvolvimento.
Um dos temas de seus enfoques foi o toque estético dado ao Portal de Entrada do Cemitério. Em suas palavras “ao arquiteto Serafim Corso e ao construtor Carlos Zanota coube a responsabilidade de assinarem o projeto do portal de entrada, destaque aos anjos em relevo.
O local transformou-se em cemitério público em 1872, tendo anteriormente servido de espaço para que os protestantes enterrassem seus mortos. A instalação do portal foi proposta em 1906 e pode ter sido no postal do cemitério de Gênova, construção de caráter monumental.
O portal foi trazido da Alemanha e a epígrafe foi pintada pelo pintor piracicabano, Joca Adâmoli.
Irmã Margarida baixa à sua última morada na terra, quase ao findar do dia. Nós, amigos, parentes e professores nos despedimos e vamos em grupos, percorrendo as ruas, admirando, aprendendo e sentindo o carinho e o zelo com que artistas estrangeiros e filhos da terra cuidaram de nossos heróis, os cidadãos que contribuíram para o desenvolvimento da cidade, no sentido social, artístico e cultural.
E vamos, num constante deslumbrar, olhando os túmulos, obras de arte, que nos foram deixadas por exímios artistas, escultores de outras plagas e da cidade que fizeram de nosso Cemitério da Saudade um recanto de paz, uma exposição a céu aberto.
E vão desfilando à nossa frente os túmulos da família Dutra, artistas plásticos de renome internacional, Benedito Dutra e seu filho Rossini, Fabiano Lozano no encantamento de seus acordes musicais, Erotides de Campos com a magia de sua flauta e sua belas composições, destacando-se a Ave Maria, que encantou o mundo, Prudente de Moraes, o presidente inesquecível, em seu rico mausoléu. E tantos outros personagens ilustres de nossa história.
Artistas da cidade também deram a sua contribuição para perpetuarem nos muros externos do cemitério a sua inspiração, retratando nossas riquezas naturais.
Um eterno gozo de eternidade paira no ar, nesse ambiente de paz, respeito e carisma, oferecendo aos visitantes do cemitério-arte um novo olhar aos admiradores da arte e da poesia.
Saudações!
ResponderExcluirGosto muito de excursionar por cemitérios, lugares de tranquilidade, de reflexão e de arte!
Gostei de como você juntou o passamento de Irmã Margarida à história do cemitério. Este grande cemitério de tantas personalidades - de tantas almas anônimas, tantas já esquecidas pelos de sua gente! - tristeza dos túmulos abandonados e que aos poucos se vão desabando na inexorável ação do tempo.
Abraços de quem a admira,