Sapos não voam, mas...
Eloah Margoni
Deixei-me enganar, é certo! Eu deveria ter sabido desde o início ou ao menos desconfiado de que era um truque! Dizer com tanta precisão o número de estrelas do céu...tirar pedaços de ossos de um pequeno saco de pano e transformá-los em vaga-lumes, bicho que nem existe mais; ficar dias e dias sem comer, sem beber água. Impossível! E para que lembremos do possível, aí está: ir ao supermercado Amarelinho comprar feijão, contar parcas moedas, se espremer num ônibus em que um motorista gordo vai voando e xinga você. Também é possível comer pizza às vezes, tomar sorvete de palito, transar cometendo pecado grave, ter ciúmes, e uma vez a cada quatro anos ir à Praia Grande com a excursão evangélica. É normal louvar a Jesus no final de semana. Isso tudo dá pra fazer, mas não ele vir e me dizer que sou a coisa mais linda que já viu, a coisa negra mais linda que já o viu, a coisa mais completa coisa ele diz (ou disse) , e acreditei. Mas era um truque! Como sei que era? Porque a noite é noite e pedra é pedra. Porém, vi no espelho o quanto sou bonita e jovem com os cabelos soltos, com os olhos negros e batom na boca. Especialmente o batom, especialmente à noite, minha cor da pele... Especialmente todos os especialmentes: o saco de ossos, os vaga-lumes e até as estrelas. Enfim, foi uma pena ele ter partido sem volta, morrido de repente sem aviso, sem deixar filho ou aparelho de som, sem deixar nem fotografia... Foi uma pena! Mas a sina é forte, e seja lá como for, herdei o pequeno saco de linho com pedaços de ossos; passo quase todo o tempo que posso descobrindo o truque de fazer borboletas coloridas saírem dali, que essas, as borboletas, me foram mais solícitas e obedientes do que uma porção de estrelas ou miríade de vaga-lumes que vi, garanto, sairem do saco!
Eloah Margoni
Deixei-me enganar, é certo! Eu deveria ter sabido desde o início ou ao menos desconfiado de que era um truque! Dizer com tanta precisão o número de estrelas do céu...tirar pedaços de ossos de um pequeno saco de pano e transformá-los em vaga-lumes, bicho que nem existe mais; ficar dias e dias sem comer, sem beber água. Impossível! E para que lembremos do possível, aí está: ir ao supermercado Amarelinho comprar feijão, contar parcas moedas, se espremer num ônibus em que um motorista gordo vai voando e xinga você. Também é possível comer pizza às vezes, tomar sorvete de palito, transar cometendo pecado grave, ter ciúmes, e uma vez a cada quatro anos ir à Praia Grande com a excursão evangélica. É normal louvar a Jesus no final de semana. Isso tudo dá pra fazer, mas não ele vir e me dizer que sou a coisa mais linda que já viu, a coisa negra mais linda que já o viu, a coisa mais completa coisa ele diz (ou disse) , e acreditei. Mas era um truque! Como sei que era? Porque a noite é noite e pedra é pedra. Porém, vi no espelho o quanto sou bonita e jovem com os cabelos soltos, com os olhos negros e batom na boca. Especialmente o batom, especialmente à noite, minha cor da pele... Especialmente todos os especialmentes: o saco de ossos, os vaga-lumes e até as estrelas. Enfim, foi uma pena ele ter partido sem volta, morrido de repente sem aviso, sem deixar filho ou aparelho de som, sem deixar nem fotografia... Foi uma pena! Mas a sina é forte, e seja lá como for, herdei o pequeno saco de linho com pedaços de ossos; passo quase todo o tempo que posso descobrindo o truque de fazer borboletas coloridas saírem dali, que essas, as borboletas, me foram mais solícitas e obedientes do que uma porção de estrelas ou miríade de vaga-lumes que vi, garanto, sairem do saco!
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