É um quarto de um dos pavilhões do Lar dos Velhinhos. Mais parece um salão, com quatro compartimentos, sem separação de paredes. Cada idoso tem sua cama (iguais na forma, mas diferentes nos arranjos). Quase todos possuem uma cômoda, onde colocam em cima, caixas de remédios, a garrafa de água, e imagens coloridas de santos. Na da nossa conhecida, Dona. Laura, além de haver todos esses adereços, destacava-se um porta-retrato médio, com moldura escura e frisos dourados, onde apareciam dois lindos garotos, exibindo trajes de festa. Pelas roupas da moda dos anos 60, deduzimos serem seus filhos, quando crianças.
Passa o dia inteiro embalando o grande boneco de louça, seu amigo inseparável. É comovedor vê-la abraçada ao belo brinquedo e sorrir para ele. Temos a impressão que balbucia algo, quando o acaricia. Está com mal de Alzheimer e desde que chegou ao Lar, há algum tempo, não mais conversa. Sua memória está comprometida. Nem mesmo sua companheira de pavilhão, que pacientemente lhe dá comida na boca, a faz desviar-se dos seus devaneios. Ela só tem olhos para o seu encantador “menino”.
Contaram-me que além de mãe, foi professora. Entendi tudo. Deve ter sido “aquela maravilhosa educadora,”, na verdadeira acepção da palavra! Os pontos de referência: a foto dos dois garotos, o ninar o boneco, são evidências desse dignificante mister. Soube que ganhou uma linda boneca de porcelana, de um dos filhos que veio visitá-la dias atrás, mas a recusou.
Naquela tarde, ao sair do Lar dos Velhinhos, vi D.Laura sentada num dos bancos do jardim de entrada. Despedi-me, mas ela não manifestou qualquer reação. Continuava a sorrir para o seu bebê. E, embora soubesse que este sorriso não era para mim, emocionei-me, pois senti nele o grande calor humano, ainda mais, após saber que foi educadora dedicada e amorosa. Vislumbrei nele, o amor eterno pelas crianças.
Uma semana após minha visita ao Lar dos Velhinhos, li no Jornal da cidade a nota de falecimento de D. Laura.
Mais alguns dias são passados. Retornando àquela instituição, deparei-me com o boneco de D.Laura, na estante da sala de televisão, onde os velhinhos se reúnem diariamente. Não contive a lágrima silenciosa que rolou pela minha face. Foi meu gesto de reverência e tributo sincero, a uma grande mulher, a uma exemplar educadora.
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