José Ochiuso
Aceito
o convite da manhã
Na companhia fresca do sereno,
à
praça chego a preguiçosas passadas
À
Catedral, alta, imponente, clara, envolvente
Às
três portas e um altar
Santo
Antonio no nicho de Cristo
Fiéis, véus, devotos
Hinos
e salmos inundam a nave
Escuto
a palavra, sinto a palavra, emociono-me
O
trânsito distrai-me pela porta lateral
A
Boa Morte carrega a vida lá fora
Beatos
choram a morte do Redentor cá dentro
Não
dou ouvidos, duvido e peco, peço licença e avanço
Avança
a manhã que me trouxe
Praça
a fora recebo o Sol, o céu, o seio da cidade
Árvores,
pombos, aposentados, carros de praça e burburinho
Politeama,
fechado
Passarella,
fechado
O
último boêmio tropeçando em bancos
O
primeiro sinal do bonde
Pra onde?
Aceito
o convite da tarde
Na
companhia pegajosa do calor,
ao
rio chego a suadas passadas
A
luz reta embeleza o banco do barco
que a doce água beija e balança
Barrenta,
a água sobre as pedras arrebenta
Saltam
do salto peixes à mancheia
Fios
invisíveis descem de caniços e penetram a água
Fieiras
prateadas reluzem
e em bolos luminosos se transformam
Corpos
adultos musculosos se misturam
a mirrados moleques mal-alimentados
Que
descem o rio agarrados a bóias
Bares,
burburinho, bebidas
O
velho pescador na soleira
Cigarro
de palha e já a garrafa
Cães,
vassouras e bolas
O
nariz escorrendo, a barriga inchada
A
ponte que une as margens
A
ponte por onde passa o bonde
Pra
onde?
Aceito
o convite da noite
Na
companhia excitante da esperança,
ao
salão chego a ansiosas passadas
Vestidos
longos varrem o São José engalanado
Ternos
improvisados circulam pelo foyer desbotado
Lancaster e Gardênia, bandejas e garçons
Alguém
fuma e começo a sonhar
Bola
de cristal rasga a meia-luz
Corpos
rodam no salão
Os
passos da dança (um, dois, três)
O
ensaio dos beijos (um, dois, mais)
O
tesão da carne, o tesão do amor, o tesão
A
mão a acariciar seios e nuca, o convite pra depois
Tudo
roda, tudo em volta, tudo envolve, tudo engolfa
Lábios,
línguas, lindas promessas e a última música
O
fim do baile, o salão aceso, os pais, a mesura
O
amor no bonde
Pra
onde?
Aceito
o convite da madrugada
Na
companhia barulhenta dos boêmios,
ao
Mercado chego a famintas passadas
Pastel,
garapa, Caracu, bom-dias e boxes
Peixes,
olhos de peixes, cheiro de peixe
Canários,
periquitos, aves gorjeiam como só cá
Envolvem
os corredores silvos e sons
Vermelho,
verde, amarelo, dos balcões transbordam cores
Cheiro
molhado, cheiro doce, cheiro-verde
Balbucio
breves sílabas e brinco na branca manhã
Marrom,
a Metodista se ergue e diz as horas
O
dia se abre ao bonde
Pra
onde?