Ivana Maria França de Negri
Dia destes, tentando me lembrar de uma
receita de bolo, ao invés de digitar no Google, resolvi ressuscitar um antigo caderno
esquecido numa gaveta.
Sentei-me para folhear com calma suas
páginas amarelecidas, algumas até manchadas por algum descuido da cozinheira, talvez
por uns pingos de calda, gordura de manteiga, não deu para reconhecer a origem
do líquido respingado.
Emocionei-me ao reconhecer a caligrafia
de minha mãe. Letra redondinha e bem torneada, típica letra de professora. Fui
virando as páginas e fartando-me de doces lembranças, de aromas, de sabores, de
doçuras feitas por mãos encantadas.
Havia receitas de sonhos recheados, de
bolos de chocolate, tortas de nozes e bolos cremosos de fubá. Algumas continham
os dizeres: “receita de minha mãe”, isto é, a mãe dela, minha avó.
Imagino quantas vezes essas receitas
foram consultadas e reproduzidas em panelas, tachos, assadas em fornos a lenha
ou a gás. Não havia ainda a praticidade do forno elétrico ou do microondas.
E as gostosuras sucediam-se, arroz doce,
beijo-de-mulata, pavê, cocada de sol, pão de mel, fios de ovos e geleias. De
dar água na boca...
Até a receita da tradicional cufa alemã,
especialidade de minha Tia Antoninha, quase pude sentir o gosto! Ela assava,
colocava quentinha na mesa e acabava na hora! Não sobrava um só farelinho de
tão deliciosa. Sempre acompanhada de um café fumegante, doce e encorpado.
E havia as roscas trançadas e
polvilhadas com açúcar cristal, manjares, massas folhadas... No Natal era
tradição fazer panetones, rabanadas, e o grispede, uma espécie de massa frita,
receita italiana.
Minha madrinha, tia Linda, era especialista
em balas de coco e de café e incumbida
de fazê-las em todas as festas familiares. Ela “puxava” a massa branquinha,
mistura de leite de coco, açúcar e gotas de limão. Depois cortava com tesoura
os quadradinhos que eu roubava enquanto ainda quentes. E ela dizia: “espere
esfriar!”. Mas o gostoso mesmo era devorar as molengas balas recém cortadas.
As de café eram outra delícia que minha
madrinha fazia, e havia também as balas de ovos, bem mais trabalhosas porque a
massa de coco tinha que ser envolvida em fina calda de açúcar. O segredo era
encontrar o “ponto de bala”. Se ficasse muito mole, escorria, se passasse do
ponto, as balas ficavam duras demais.
O pudim de pão velho era receita de
minha mãe. Ninguém podia imaginar que um punhado de pão duro amanhecido pudesse
virar uma iguaria tão fina e saborosa.
A especialidade da tia Vivica era o
quindim lustroso, amarelinho e forrado de flocos de coco na base. Um manjar dos
deuses!
E curiosamente, éramos crianças
saudáveis e magras. Nada daquilo engordava, apenas adoçava nossa infância.
Época em que comer era sagrado, toda a família reunida ao redor da mesa.
Quando dei por mim, haviam se passado
horas! Mergulhei naquelas páginas, afundei no marshmallow, me derreti nos
sequilhos, me lambuzei em alfajores, bom-bocados, glacês, embriaguei-me com
geleias de pinga, rememorei o gosto de infância, e redescobri pedaços de vida de
minha mãe, minha avó, tias e madrinhas queridas.
Apenas um caderno de receitas...
Segredos culinários que passaram de geração em geração, verdadeiras liturgias
celebradas ao pé do fogo, que aqueciam o coração, abrandavam a alma e tornavam
a vida mais doce.
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