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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SACI, BRUXA e DONA DE CASA



Ivana Maria França de Negri

No mesmo dia em que se festeja o dia das Bruxas nas festas de Halloween, também se comemora o dia da dona de casa.
Por que será que escolheram a mesma data para os festejos? Será que é porque ambas têm em comum o uso da vassoura? É certo que toda dona de casa tem certos poderes mágicos que lembram os de uma feiticeira, mas as semelhanças param por aí.
Aposto que quase ninguém sabe que existe o dia da “dirigente do lar”. Mas temo que nenhuma mulher queira comemorar a data.
Apesar de hoje em dia existirem muitos “donos de casa”, que dividem as tarefas com as mulheres, ainda acho que seria interessante mudar a denominação de dona de casa para um termo mais adequado, algo assim como dirigente, supervisora ou administradora familiar.
Assim como as mágicas feiticeiras que dividem com as donas de casa as honras do dia 31 de outubro, um projeto de lei federal instituiu o Dia do Saci nessa mesma data, uma estratégia para desbancar o reinado das bruxas, cultura crescente entre os jovens estudantes das escolas de inglês, a fim de voltar as atenções às tradições nacionais e resgatar uma figura interessante do folclore brasileiro, já que o Haloween é tradição cultural dos Estados Unidos.
Ninguém nunca viu uma bruxa de verdade. Nem um Saci. Mas certamente sabem descrever direitinho como eles são.
Uma bruxa que se preze deve ter nariz adunco com verruga na ponta, pele esverdeada, ser magra de dar dó. Cabelos negros, longos e desgrenhados e uma gargalhada sinistra de fazer gelar a barriga. Sempre acompanhada de um gato preto ou de uma agourenta coruja empoleirada nos ombros.
O Saci é multirracial, pois nasceu nas lendas indígenas e foi se transformando. Logo incorporou feições africanas, perdeu uma perna, que representa a violência da escravatura, mas ganhou espírito brincalhão, um gorro vermelho e um pito na boca. E é um grande conhecedor das ervas da floresta, entendido na fabricação de chás e medicamentos.
Monteiro Lobato foi o grande divulgador do personagem em seus livros infanto-juvenis. Ele fazia questão de resgatar as raízes da nossa terra e não gostava de modismos importados.
Neste mundo globalizado, seria ótimo unir as várias tradições de todos os povos.
Não é preciso desvincular-se dos símbolos de outros países, mas seria bom fazer um intercâmbio saudável de tradições culturais, uma mistura de personagens e crendices. Emprestemos as abóboras do Halloween, mas enviemos abacaxis e bananas para os gringos. Podemos até festejar as bruxas, mas exportemos os Sacis. Podemos comprar todos os livros e assistir a todos os filmes da série Harry Potter. Tudo bem, mas vamos levar para eles o nosso Jeca Tatu, a Monica e o Cebolinha, e assim por diante.
E a dona de casa? Bem, essa é mesmo uma espécie em extinção...
Está cada vez mais difícil encontrar uma! E no futuro, ninguém saberá descrevê-la. E se perguntarão: quem era mesmo a Amélia?...

crônica publicada na GAZETA de PIRACICABA de 30/10/2011

sábado, 29 de outubro de 2011

BRINCAR DE QUÊ?

Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto

Lá dos celtas veio o costume do Halloween. Fico imaginando lindas abóboras iluminadas com feições fantasmagóricas que eu mesmo vou recortar: os dentinhos em forma de ziguezague, os olhinhos um pouco orientais com ar de mistério e uns cabelinhos meio assim de palha de milho para ficar com jeito de monstrinho. Coloco na bicicleta e visto minha linda roupa de bruxa com uma terrível coruja aplicada em glitter no chapéu dizendo Booohhhh! Sei que vou arrasar, mas só a vovó e o vovô que fizeram intercâmbio na Inglaterra vão me entender quando eu disser: Tricks or treats? (Gostosuras ou travessuras?). Que pena, os vizinhos nem saberão do que se trata...
Só se eu usar o costume brasileiro, dia 31 de outubro também é dia do Saci, personagem de nosso folclore. Vou usar um gorro vermelho e aprontar travessuras, esconder coisas da vovó (só um pouquinho, depois eu conto onde estão...). Afinal, acho que é uma boa escolha, porque o saci também cuida da floresta e sinceramente o Planeta agradece.
Pensando bem aqui com meus gatinhos pretos, morceguinhos e espantalhos, acho que vou criar um novo personagem - uma bruxa intercontinental de gorro vermelho, afinal toda criança pertence ao mundo e não enxerga barreiras no compartilhar de outras culturas...
Adulto é que complica, cria personagem para cada lugar, como não cresci ainda vou ignorar e inventar a brincadeira do jeitinho que imagino. Vai ser mesmo uma folia legal!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Premiação do I Escriba de Crônicas, lançamento do livro "Pequenos Caminhos de Maria Cecília Machado Bonachella" e da coletânea dos selecionados

(fotos de Ivana e Cassio Negri)

Coletânea dos selecionados
(clique e leia)

I Escriba de Crônicas
Felisbino de Almeida Leme da comissão organizadora abrindo o evento
Lucila Silvestre, diretora da Biblioteca Municipal de Piracicaba
Joaquim Maria de Guimarães Botelho, da UBE falando em nome dos jurados

Maria Helena Corazza, presidente da Academia Piracicabana de Letras
Rosângela Camolese, Secretária de Ação Cultural
Ivana Maria França de Negri recebendo o troféu pela melhor Crônica de Piracicaba

Jurado Joaquim Maria e Ivana Negri
Ricardo Fagundes Sangiovanni, primeiro colocado, e a contadora de Histórias, Camila Gordilho

Integrante da Ceta ( Companhia Estável de Teatro Amador) lê  a crônica premiada

Ivana Negri, Ricardo Fagundes Sangiovanni, primeiro colocado do I Escriba de Crônicas,  Paulo Virgílio D´Áuria, segundo colocado, e o ganhador de uma das menções honrosas

Júnior da comissão organizadora, Joaquim M.Guimarães Botelho e Sandra Regina Sanchez Baldessin do corpo de jurados
Representação da crônica premiada pela CETA
Coral
Luzia Stocco, Angela Reyes, Carmen Pilotto, Irineu Volpato e Silvia Oliveira
Camilo Quartarollo, Luzia Stocco, Angela Reyes, Carmen Pilotto e Dulce Ana da Silva Fernandez
Cassio e Ivana Negri, Carmen Pilotto e Aracy Duarte Ferrari
Maria Cecília Graner Fessel autora do livro "Pequenos Caminhos de Maria Cecília Machado Bonachella"
Maria Cecília e netinhos
Rosaly de Almeida Leme, Rosangela Camolese e Bino
Letícia, Maria Helena Brunelli de Camargo e Ciça Bonachella
Letícia e a foto da avó ao fundo, Maria
Cecília Machado Bonachella
Ivana Negri e Andre Bueno Oliveira, da comissão organizadora do Escriba
Terceiro colocado, Ivana Negri, ator integrante da CETA e o primeiro colocado Ricardo Fagundes Sangiovanni
Raquel Delvaje, Lurdinha e Idamis
Luiz Antonio Abraão e João Baptista de Souza Athayde
Leda Coletti e Angela Reyes
Carmen, Ruth, André, Lurdinha, Leda, Ivana, Athayde e Vera

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Definição de Filhos - por José Saramago


A primeira esposa de Saramago, a escritora Ilda Reis,  com Violante, a única filha que Saramago teve
"Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo ! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo".

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Acontecimentos Desafiantes



Aracy Duarte Ferrari

Dá para voltear o mundo, os inúmeros casos amorosos. Embora todos iniciem bem românticos, estilo Romeu e Julieta o transcorrer e o final, oscilam no tempo e no espaço, têm seus períodos satisfatórios e outros não, mas quase todos seguem um ritual: paquera, namoro, noivado e casamento. Alguns, po¬rém, fogem da normalidade. Foi o que aconteceu com uma linda jovem de dezesseis anos que seu pai, por costume da época, entre¬gou-a para contrair núpcias com um senhor bem mais velho.
Viúvo, pai de cinco filhos, profissional qualificado, idô¬neo, religioso e querido pela comunidade. O pai da jovem teve a sensibilidade de expor a situação e deixá-la bem à vontade para tomar a decisão, isto é proposta de casamento. Tudo deve¬rá ter muita cautela e a aprovação quando e como você quiser, afirmou o pai! E assim aconteceu: a jovem foi conversar com o pretendente, seus filhos, conhecer a casa que era bem acon¬chegante e os vizinhos. A família toda aprovou o casamento. Desse primeiro encontro, ocorreram vários outros, mas o que chamou sua atenção foi a idade do filho mais velho. Era apenas dois anos mais velho do que ela. Sempre os dois entrecruzaram olhares firmes, alguns sorrisos e muitas conversas. Alguma coisa inesperada acontecera. E aconteceu... Ela e o filho mais velho ficaram tão amigos que propuseram trabalhar juntos na manu¬tenção das crianças menores. Programaram, também, pequenas viagens, passeios pela cidade, visitas aos familiares, participa¬ções em movimentos religiosos, assistir filmes e outras ativida¬des, como, por exemplo, as compras em supermercados. Passado o tempo pré-nupcial, o pai indagou da filha a decisão tomada para depois programarem os acertos finais do casamento. Zi-guezagueando a resposta, encontrando-se meio amedrontada, afirmou: – Vou me casar com o filho mais velho do viúvo. O pai empalideceu e baixinho respondeu: se for decidido assim... Viveram um doce amor com sonhos e realizações. Dentre as grandes foi o nascimento de mais quatro filhos, perfazendo no lar, um total de nove irmãos, formando a “Grande Família”. A união era perfeita, todos pareciam filhos dos mesmos pais. E o viúvo passou a ser sogro da jovem e avô das novas crianças.
Aracy Duarte Ferrari

domingo, 16 de outubro de 2011

Premiação do I Concurso de Microcontos de Humor de Piracicaba

Lançamento das mini antologias

Leda Coletti e Ivana Negri integrantes da coletânea, Carla Ceres, representando o corpo de jurados, Adolpho Queiroz um dos idealizadores do Salão de Humor de Piracicaba  e presidente da atual edição do salão e Andre Luis Gabriel, classificado em primeiro lugar no concurso.
O showman Hermes Petrini, Lucila Silvestre, diretora da Biblioteca e idealizadora do concurso e Adolpho Queiroz.

Microcontos premiados

1o lugar André Luis Gabriel - Caieiras SP
In Memoriam

O político morreu, virou estátua. Agora são os pombos a prestar-lhe justas homenagens.

2o lugar Álvaro Posseit - Curitiba Pr
 Entrada secreta

-Como você entrou aqui?
-perguntou-me o diabo.
-O cabo do elevador se rompeu!

3o lugar Marlene Pereira Gil Filho
Poeta

Fez versos de amor à dama mais linda da noite. Metrificou, selou, enviou. Errou de sexo, errou de moça. Só acertou na rima.

PAPO DE VENDEDOR


Raquel Delvaje

Genésio ligou o carro e saiu. Ele andava sem rumo. Estava elaborando as palavras para abordar seus clientes. Na verdade, não sabia como fazê-lo, era o seu primeiro dia como vendedor. Nunca vendera coisa alguma, pelo menos que ele lembrasse. Aliás, lembrou que quando era criança, querendo ir a um show e não tendo dinheiro, resolveu que venderia alguns objetos pessoais. Andou a tarde inteira, nem venda e nem show...
Tal lembrança petrificou o homem, dessa vez não era um simples capricho de criança, e sim, sua sobrevivência e de sua família. Ele passara anos trabalhando em um escritório e perdera o emprego. Após muitos currículos e muitos nãos, lhe restou trabalhar como vendedor numa linha de cosméticos.
Ao chegar à residência de uma senhora. O vendedor apressou-se a apresentar todos os produtos e a mulher o olhava sem a menor expressão, para o total desespero dele, pois não sabia se estava agradando ou não.
Passou então, diante do nervosismo, a falar sem parar. Precisava provar para si mesmo que era capaz de vender algo e também dependia daquela comissão.
- Olha minha senhora, esse produto é muito bom e é um grande rejuvenescedor...
Quando falou de rejuvenescer, a mulher alta e sisuda mudou sua expressão, causando um entusiasmo em Genésio. E ela questiona:
- E como posso saber se esse produto realmente rejuvenesce?
- Simples – concluiu o homem de cabelos encaracolados e tez branca – Olhe para mim, comecei a usar esse produto faz uns dois meses e de 50 anos agora estou com aparência de 30. Estou ou não estou com aparência de 30?
- É, realmente você está com aparência de 30. Mas como vou saber se você não tem 30 anos?
- Não minha senhora, eu jamais mentiria, tenho 50 anos.
- Então eu quero ver seus documentos – Desafiou a mulher, que era que nem Tomé, ver para crer.
O homem, sem pensar duas vezes, respondeu:
- Pois é, é o que eu digo, o produto é muito bom, mas muito bom mesmo. Tão bom que rejuvenesceu até meus documentos. Quer ver?

sábado, 15 de outubro de 2011

O PROFESSOR


Cassio Camilo Almeida de Negri

Às seis horas da manhã, o velho professor levantava, comia o pão com manteiga e café com leite, tomava seu banho com sabonete Phebo, fazia a barba com o aparelho Gilette, com aquelas lâminas que cortavam dos dois lados, vestia o terno surrado e ia à pé em direção a escola.
Em seu rastro deixava um cheiro antigo de água velva.
Sentava só na sala dos professores, a mente mergulhada no passado, e assim ficava ,pensando em tempos antigos .
Quantos garotos passaram por suas mãos, hoje cidadãos formados, médicos, advogados, prefeitos e até deputados, que ajudara a formar na escola pública.
Agora, ali, sentado só pensava nos atuais garotos, futuros cidadãos.
Seus olhos marejaram quando lembrou que dali a alguns segundos, teria que trespassar o portal da classe e enfrentar aquela turba semi ensandecida.
Lembrou-se do soco no rosto que recebera de um aluno, e apesar de irem à delegacia de policia, este dissera ter sido sem querer e nem sequer pagou os óculos que ficaram moídos.
Pior era ter que enfrentar o seu olhar nos corredores, apesar de terem colocado o adolescente em outra classe.
Sentia-se um derrotado, pois nunca mais, há muitos anos, conseguira ter um atual aluno seu em faculdade ou profissão de renome.
Percebia suas sementes semeadas nas pedras.
Mas, sua aposentadoria estava próxima, iria enfim, livrar-se de tudo isso.
A saudade apertava mais o coração, quando recordava tempos em que lia nos jornais os resultados dos vestibulares exibindo nomes de vários seus ex-alunos. Hoje, não vê nas listas nenhum nome de seus alunos.
Seu coração foi sendo apertado, apertado, até que o enfarte aliviou-lhe tal desgosto.
Quando abriu os olhos, estes se encheram de lágrimas, ao deparar com a face sorridente do famoso cirurgião que o havia operado, exclamando:
-Meu professor está de volta!
Era o mesmo semblante do menino de treze anos, que um dia fora engraxate na praça da matriz, e seu antigo aluno.
Sorriu feliz. A vida valera a pena.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

PRIMEIRO DIA DE AULA





Letícia Dos Santos Vidal

Primeiro dia de aula é um nervosismo só, principalmente se é o primeiro dia de aula da sua vida.
Frio na barriga, medo de não gostarem de mim, e da professora (pelo que me falaram sempre é uma bruxa), o meu dia também foi assim.
Lembro-me de cada detalhe como se fosse hoje, aquelas crianças com mochilinhas nas costas e lancheira na mão, com as mães levando-as para a sala, as crianças se despedindo como se fosse a última vez que as veriam, outras chegavam até a chorar, e alguns pareciam estar acostumados com a despedida.
Em sala, cada um pendurava, sua mochilinha em uns ganchos na parede e já era hora de sentar. Havia varias mesinhas espalhadas pela sala, cada uma com quatro cadeiras. Todos sentados,começa a aula e a professora se apresenta, realmente parece não ser uma bruxa, mas era difícil tirar essa fantasia da cabeça. Logo ela pede para que todos se apresentem dizendo o nome, quantos anos tem e o que mais gostam de fazer. Todos se apresentando, começo a sentir um nervosismo, sempre tive vergonha e medo de falar em publico, começo até a tremer mas, chega a minha vez. Finalmente consegui me apresentar, o susto passou.
No final foi um dos melhores dia da minha vida e até foi embora o frio na barriga, o medo e a fantasia da professora ser uma bruxa. E as professoras bruxas? Cheguei a conhecer, mas não foi ali.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

FORMATURA


Rebeca Serrano

- Por que é tão difícil colocar essa roupa?
- Eu não sei, mas ela é ridícula, como nós.
Elas explodem em risadas. Risadas nervosas, porque no fundo estão sentindo borboletas no estômago. Hoje é o dia da formatura, depois de cinco anos fazendo festa e trabalhos, dormindo tarde e acordando cedo.
Talvez pareça um ritual comum para você, leitor. Mas para as duas é especial e, ao mesmo tempo, um pouco trágico. Especial porque nunca nenhuma das duas imaginou que chegaria a ver esse dia. Todos os eventos conspiraram para que isso nunca acontecesse. Trágico porque num dia de festa como esse é comum que as famílias compareçam e nenhum membro da família de Sofia e Laura estava lá.
“Tudo bem”, pensa Sofia. Ela já se acostumou às ausências, assim como Laura. As duas se conheceram melhor no segundo ano do curso, quando puderam passar mais tempo juntas. Compartilhavam suas dores e alegrias, estórias de vida tristes, de famílias desestruturadas. De algum modo, elas conseguiram sobreviver bem, com sequelas invisíveis.
Durante o curso formavam uma dupla, digamos, temida. Não estavam sorrindo sempre, e isso afastava os outros. Apenas poucas pessoas tiveram coragem de ultrapassar o superficial e aparente e realmente conhecê-las.
Estar num ambiente em que todas as pessoas estão de roupa de gala, num dia quente e com trilha sonora de formatura traz certa melancolia. Em alguns momentos Sofia sente um nó na garganta e não pára de pensar que gostaria muito que algumas pessoas estivessem lá. Sente revolta porque ninguém reconheceu seu esforço apesar de todas as cobranças. Um segundo depois se livra de todos os pensamentos e tenta aproveitar o momento sublime que está vivendo. “Só Laura entende e sente isso como eu. Isso me basta”.
Depois de todo o cerimonial, juramentos de amizade eterna, choros, despedidas e trocas de falsos elogios elas querem ir para casa. Ainda tem uma festa para ir. A casa está cheia de convidados. Sofia e Laura têm em comum o incômodo de estar durante muito tempo entre pessoas estranhas.
“Esqueci o celular”.
“Eu também. E agora não sei o número de ninguém de cor. Que ótimo”.
“Esquece, vamos andando. É longe, mas fazer o que?”
E seguem as duas a pé, voltando pra casa, com um canudo roxo na mão. Finalmente conseguiram.
“Agora, se a gente for parar na cadeia, podemos ficar em cela especial!” diz Laura.
“Imagina! Grande coisa. Queria saber pra que serve tudo isso que a gente aprendeu”.
Silêncio. O sol está se pondo, a cidade é sempre quente. Sofia nem imagina que no futuro seus pensamentos sempre voltarão para sua vida e seus momentos sob o sol escaldante e muitos passeios a pé.
“Você acha que vai conseguir mudar alguma coisa?” - pergunta Sofia.
“Não sei. Acho que nós mudamos. E talvez isso modifique tudo” – responde Laura, pensativa.
“É. O duro é saber o que fazer a partir de agora”.
E as duas seguem seu caminho para casa. O que virá ninguém poderia prever. Assim é a vida.

PATRIMÔNIO ABANDONADO


Fotos de CHICOPQD

Ludovico da Silva

A parede da frente para a rua ostenta duas placas ilustrativas, que está mais para deteriorada do que luzimento. Uma de material ferroso, sem brilho porque falta tratamento, e outra modesta, sem qualquer expressão artística, valendo apenas como registro do pouco que tem sido feito através dos tempos, com palavras repetitivas em relação à primeira. A madeira, da porta de entrada e dos batentes, está toda desgastada, mostrando que há tempos dela não se cuida, ao menos com raspagem da parte deteriorada e demão de tinta. Trata-se de um patrimônio completamente abandonado e é triste verificar que está nesse estado, não merecendo nenhuma atenção de quem quer que seja. Nem ao menos se respeita o nome do autor da obra. Ademais, infere-se que seu interior guarda peças de arte sacra de valor histórico.
Estou me referindo ao Passo do Senhor do Horto, um pequeno e modesto prédio espremido entre outros, localizado ali na Rua Prudente de Moraes, entre a Praça José Bonifácio e a Rua Governador Pedro de Toledo, cuja construção remonta o Século 19. Só não desaba porque escorado pelas paredes laterais, que servem de escudo. A capela está inserida como um dos pontos turísticos de Piracicaba. Mas o que o piracicabano ou o visitante vai admirar na capela se ela está sempre fechada? Não chega o que o Senhor sofreu quando de sua pregação na terra e hoje O mantém encarcerado. Se ao menos uma fresta de luz iluminasse sua imagem. Se a capela ficasse aberta uma vez por mês para visita e orações ainda se justificaria como ponto turístico.
Observe o leitor o que as placas registram: uma, "Passo do Senhor do Horto. Obra de Miguel Araújo Benício de Assunção Dutra. Inaugurado no Domingo de Ramos, em 1873. Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo, em 1973. Restaurado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba e Ação Cultural do Município. Domingo de Ramos - 19-3-1978." Outra, "Passo do Senhor do Horto. Patrimônio Histórico Cultural de Piracicaba e Estado de São Paulo. Inaugurado em 1893. Tombado pelo CODEPAC, por meio do Decreto n. 10.999, de 29 de dezembro de 2004. Tombado pelo CONDEPHAAT, por meio da inscrição n. 121, Resolução de 11-4-1972, D.O.E. de 12-4-1972." Há divergência entre as duas placas no registro da inauguração, uma, 1873 e outra, 1893.
No dia em que anotei os dados acima alguém deve ter passado por lá, manifestado seus sentimentos em orações e depositando uma flor no aro do cadeado. Flor que estava sem vida, murcha.
Cabe aqui uma observação sobre patrimônios públicos, uma vez tombados. Parece que quando nessa situação não é preciso fazer mais nada, isto é, mantê-los com reparos frequentes, em boas condições, evitando-se a deterioração por conta do rigor do tempo. Quem não se lembra do prédio situado à Rua Prudente de Moraes, onde em passado remoto foi importante centro bancário, posteriormente transformado em empresa comercial, sede de jornal e, no momento, filial de rede bancária? Pois bem, esse prédio por muito tempo ficou apenas com a fachada, com risco de desabamento. Um fantasma em pleno centro da cidade.
Este texto não tem o objetivo criticar autoridades que devessem cuidar da capela do Passo do Senhor do Horto, pois não é esse meu intento, tampouco ferir suscetibilidades, mas como lembrança das condições em que se encontra e que deveria merecer atenção. Então, fica aqui o registro.

(Texto publicado no Jornal de Piracicaba)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

TEMPO MÁGICO


Ivana Maria França de Negri

Infância é a época da magia. Todos os sentidos estão atentos, apurados, captando odores, sabores, sons e imagens com precisão.
É o tempo de extasiar-se com as pequenas coisas, observar molengas lagartas em seu andar sinuoso, vê-las transformarem-se em coloridas borboletas, ouvir enlevados o cantar dos pássaros, ver o desabrochar das flores na primavera, descobrir aquele ninho entre a folhagem do jardim que nenhum adulto soube enxergar. Pegar um tatu-bolinha nas mãos e admirar-se como ele vira uma esfera perfeita e depois, se estica e continua a caminhar com suas inúmeras perninhas. Também constatar com a ávida curiosidade infantil, a capacidade da lagartixa de perder o rabo e nascer outro igualzinho em seu lugar. É tempo de amar os animais, sem limites. Dormir com eles, conversar com o cachorro, com o passarinho, com o gato, e o mais mágico, compreender a linguagem deles!
É o tempo de maravilhar-se com a lua, imaginar que existe lá um dragão que cospe fogo, arrebatar-se diante da visão das estrelas, como o Pequeno Príncipe, sentir o perfume inebriante das flores, e perceber tudo o que acontece em seus mínimos detalhes.
Pena que a infância é curta e o adulto logo se instala. E as responsabilidades, a competição, o trabalho ininterrupto, os mestrados, doutorados, a corrida extenuante para ganhar dinheiro, acabam matando a criança e seus sonhos. Não mais observar lagartas, nem lagartixas, nem estrelas, nem brincar. É preciso levar a existência a sério.
Mas a vida é tudo o que acontece enquanto os adultos ficam se degladiando na política e trabalhando duro para ganhar dinheiro em locais fechados, escuros, com ar condicionado ligado ininterruptamente ressecando o nariz, a pele, a garganta, e embotando os sentidos.
E chegam os brindes: estresse, depressão, cansaço, desânimo, insônia, taquicardia, escravidão do relógio, corrida contra o tempo para dar conta dos compromissos. E a informática, soberana, reinando e ocupando todas as horas.
Por que na infância o tempo parece caminhar e na vida adulta ele dispara? Por que o adulto tem falta de tempo crônica e na infância há tempo de sobra?
Não importa se a criança é rica, pobre, negra, branca, se tem brinquedos importados ou um caminhãozinho de papelão. A magia é a mesma porque está dentro dela. É lá no íntimo de seu ser que ela constrói castelos e passa a habitá-los. É no seu interior que semeia florestas habitadas por bruxas, duendes e fadas, e onde vivencia seus dias de rei, princesa, super herói e a imaginação cria as mais belas histórias.
Já adultos, perdemos a capacidade de nos encantarmos com as singelezas da vida, com as coisas corriqueiras e maravilhosas que nos dão a alegria mais pura, que dinheiro algum pode comprar.
Quando se chega ao outono da vida, percebe-se que muita coisa foi em vão e nem valeu a pena, essa corrida maluca por bens materiais, por posição, sucesso e poder.
É quando a vida, sempre ela, nos dá de presente os netos, cloninhos dos nossos filhos, para amarmos sem restrições. E então percebemos que aos avós tudo é permitido, até virar criança de novo!
E retorna-se aos tempos mágicos da infância! Tomar sorvete, comer pipoca e chocolate, sem pensar em dieta, sem se importar com os números que marcam os ponteiros do relógio. Rolar no chão e reencontrar as lagartas, tatus-bolinha e ninhos, com a mesma surpresa e arrebatamento dos tempos da infância.
E voltamos a construir castelos, florestas e arco-íris brilhantes dentro de nós...