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Reunião na Biblioteca

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Um continho do fim do mundo


Christina Aparecida Negro Silva

Paula, olhando aquela paisagem desértica, sorriu, lembrando-se de sua promessa ao terminar aquele namoro que se arrastava há quatro anos -  Vou para o fim do mundo – e lá estava ela, literalmente, no extremo sul do planeta, na Patagônia Argentina, rumo à última cidade antes da Antártida. O avião aterrissara em El Calafate em escala e ao descer parecia ouvir no vento sibilante a melodia do filme “ O dólar furado”. Viu-se em 3D, dentro da tela ,cuja paisagem, a  estepe, estendia-se a perder de vista, sem uma única árvore. Onde estaria o Giulliano Gemma ? pensou ela rindo de si mesma. Que loucura ! Justo ela, tão racional, sair de seu conhecido mundo e conforto para procurar um homem visto em um sonho ! Pipo. Quem seria ele ? Por que ela tivera aquele sonho maluco ,porém claro – Sou o Pipo, procure por mim no fim do mundo... seu personagem onírico assim se manifestava nos sonhos recorrentes de Paula. Por três vezes, ele aparecera e lhe dissera as mesmas palavras. Mistério.
Ruidosos turistas esperavam suas bagagens – uns 5 passageiros tiveram suas malas extraviadas e estavam no balcão reclamando suas perdas. Quantos brasileiros ! Gostoso ouvir sua língua no meio do burburinho espanhol. Pegou seus pertentes e rumou para o hotel Esplendor. Faria uma pausa em El Calafate antes de seguir viagem. O hotel localizava-se no alto de uma colina de onde podia avistar o lago gelado na frente e nas costas do prédio, as imponentes montanhas. Mais ao longe – os Andes com seus picos gelados. No dia seguinte, embarcou em um ônibus já cheio de turistas de seu país para visitar o famoso glacial “ Perito Moreno”. Soube que o nome era uma referência a um engenheiro que mapeou a costa da Patagônia e foi , tardiamente, reconhecido por seus feitos. O guia, falando um portunhol engraçado, comunicou aos passageiros que se olhassem à esquerda do ônibus, logo veriam o belo glacial . Eis que chega o momento esperado e ouve-se um uníssono – OH ! Tamanha beleza azul só poderia ser descrita emocionalmente assim. Uma majestade de gelo avança das montanhas rumo ao verde lago formado do derretimento das geleiras dos Andes. Da altura de um prédio de 20 andares reina por todo o ano. Mesmo no verão argentino, com temperatura oscilando entre os 09 a 13 º graus centígrados, o glacial mantém-se imponente. Impossível não agradecer a Deus por ver essa maravilha da natureza. Aos poucos, o exterior do glacial derrete-se caindo ruidosamente no lago. Um espetáculo que fazia pipocar os botões das máquinas fotográficas de todos  que ali foram conferir tanta realeza . Que fim do mundo mágico – pensou ela. Sentia-se como aquele imenso bloco de gelo, derretendo-se por dentro, procurando uma pessoa que vira em seu sonho. Derretida ? Aventureira ? Não encontrava definição para si mesma. Seu coração apenas lhe dizia para entregar-se ao novo, ao desconhecido, às novas aventuras. Começara bem, estava prestes a explodir de emoção quando chegou bem próxima, nas passarelas do parque nacional, ao “Perito Moreno”. Tanta coisa ainda por descobrir ! Jamais imaginara-se estar naquele lugar incrível. Sem expectativas, naquele instante só queria curtir a imponente montanha de gelo azulada ali à sua frente. Um grupo de turistas passou por ela. Uma baixinha falante, seu companheiro idem e outro casal mais jovem que diziam – Só dos pesos ! e riam, como eles riam ! Impossível não entrar no clima alegre que reinava ali. Pesos, a moeda argentina, equivale a 1/3 do real, quantas coisas poderia comprar se estivesse ali para isso, como as mulheres da excursão de brasileiros que de uma loja, entravam em outra. Nem mesmo o frio, o vento e a chuvinha fina que caía impediam as pessoas de brindarem o belo presente que receberam naquele dia. El Calafate, cidade pequena, nomeada pela frutinha de um arbusto espinhoso, próprio da estepe, entraria de vez em sua memória e em seu coração.
No dia seguinte, mais um vôo, agora sim para o fim do mundo ! O que esperar de Ushuaia, a última cidade porto antes do continente gelado ? Estava tão embevecida com o glacial que se tivesse que voltar naquele momento, já agradeceria a vinda até ali. Mas seu pacote incluía a procura por Pipo, então...
Ushuaia estende-se ao largo , aos pés das montanhas , uma faixa de casas coloridas  entre a baía do estreito de Benning e a Cordilheira dos Andes. Janeiro, calorão no Brasil , em Ushuaia, neve nos picos das montanhas. Nunca vira neve de pertinho. Será que teria a chance de sentir, tocar, escorregar na neve ? Por onde começar sua meta ? Seu hotel ficava na rua central e comercial da cidadezinha – Los Naranjos. Excelente localização para quem procura por um nome. Começou perguntando para os recepcionistas do hotel que lhe indicaram o centro de informações turísticas, na mesma rua, onde até poderia carimbar seu passaporte. Ah ! sim, Pipo ! Melhor pegar o trenzinho dos condenados e conferir de perto sua história – disse-lhe a mocinha do balcão  em bom português. Mais mistério.
Ao retornar ao hotel notou um rapaz sentado no hall lendo um livro – O TREM DO FIM DO MUNDO – O título chamou sua atenção,  o jovem também. Magia do olhar, ela olhando para ele que mudou a direção de seus olhos e a fitou brevemente, ambos por uma fração de segundo , analisaram-se – Paula, jovem, bonita, cerca de 30 anos, olhar travesso. O leitor, moreno, alto, rosto longo e sério. Belo. Marcou na recepção a visita à estação do trenzinho. De repente, chegaram os ruidosos turistas brasileiros, que também estavam hospedados no mesmo hotel. Notou que marcavam uma noite de vinho e queijo e bate papo animado. Será que o rapaz sério fazia parte do grupo. Opa ! Outro mistério ?
Na manhã seguinte, embarcou no mesmo ônibus dos brasileiros, rumo ao trem  do fim do mundo.  Nele também estava o moço moreno, acompanhado do livro e , coisas do destino, acabaram sentados lado a lado. O trajeto embora curto não foi impedimento para que se apresentassem e se conhecessem superficialmente. Demonstrando interesse na história do livro, Paula ouviu com atenção as explicações de Leandro - belo nome, como o dono – pensou ela. Ele explicou-lhe o porquê daquela região ser chamada Patagônia – local dos nativos pés grandes: patagons, em espanhol – ou Terra do Fogo, outro nome dado pelos espanhóis conquistadores ao local onde havia muitas fogueiras. Também ficou sabendo o  motivo de existir Ushuaia- baía virada para o oeste. A Argentina, na disputa pela conquista daquela região, enviou condenados para lá. Daí a origem do trem do fim do mundo: o transporte desses homens, presos do regime , que por 25 km iam buscar matéria prima para a construção da cidadezinha, principalmente a madeira da “lenga” na floresta nativa do local. Um terremoto, porém, ocorrido nos anos 50 do século passado, destruiu a maior parte da estrada de ferro. Apenas nos anos 90 ,um empresário interessou-se em resgatar essa história e recuperou os últimos 7 km das vias do trem do fim do mundo. A voz de Leandro era calma, quente. Paula sentiu calor nas faces, embora o termômetro do local marcasse 2º graus centígrados. Enfim, chegaram.
Trem vermelho, estreito, bem fechado, um mimo para os turistas de todas as línguas que se apertavam para comprar seus tíquetes. Separaram-se. Paula, vendo alguns  casais abraçados, pousando para fotos no belo cenário, sentiu falta de Leandro. Opa ! o estava acontecendo consigo, afinal? Avaliou sua situação – tirou férias, impulsionada por um sonho, viera até o fim do mundo, queria desvendar o mistério do tal do Pipo. Fez um amigo (?) , ouviu histórias do local, perdeu o jovem de vista e já estava sentindo sua falta ? Essa não ! – censurou-se.
Embarcou em uma cabine, rodeada por casais de muitas línguas – espanhol, português, inglês, francês – a música nostálgica e a voz gravada em tantos idiomas e em tom poético, provocaram  nela uma melancolia jamais sentida, ficou triste e sorumbática ouvindo com atenção a história contada. O trenzinho serpenteava as lindas paisagens : rios, vales, pequenas pontes, um cemitério de árvores a céu aberto, imagens de tocos, parecendo cadáveres descarnados em sua madeira branca...Um condenado tentou fugir, pulou do trem. Alguns dizem que sobreviveu e constituiu família junto a uma nativa, mas o certo mesmo é que morrera congelado. Seu nome, porém , ficou registrado na história do trem do fim do mundo, Pipo... seu coração deu um salto! Seu fantasma onírico existira de fato ! E lá estava ela, ouvindo sua história dramática. Pobre Pipo, tentou a liberdade. Daí em diante, não conseguiu ouvir mais a voz da guia. Em seus ouvidos, ricocheteavam a voz do Pipo fantasma – eu procurei a liberdade, correndo todos os riscos e você, o que procura ? O que procurava ? Não sabia responder. Tinha um bom emprego, era realizada profissionalmente. Terminara um relacionamento que a consumia por anos, queria sua liberdade, afinal. Onde a encontraria ? No fim do mundo ? Quanto mistério preparara-se para si mesma. Tão conversando consigo estava que nem percebeu que o trajeto chegara ao fim. Foi a última a desembarcar. Viu esquecida no banco uma mochila verde, levou-a para as simpáticas atendentes. Quem a esquecera, logo viria resgatá-la, pensou.  Ela também esquecera suas emoções em tantas estações ! Encontrar-se com elas naquele local foi a sua melhor sensação em anos. Onde estaria o moço moreno de voz quente ? Não queria perder essa emoção jamais. Decidiu o que faria dali prá frente.
O retorno para o hotel foi feito de ônibus. Estranhou não ter a companhia de Leandro. Ele não estava mais entre os passageiros. Por onde se escondera ? Estava ele também, como Pipo, procurando sua liberdade ? Paula já a encontrara.
Na manhã seguinte, dia de subir a montanha – Martial – para ver, sentir e escorregar na neve. O percurso incluía – táxi, teleférico e muita caminhada íngreme por terreno lamacento .Enfim, a neve ! Outra sensação indescritível para uma habitante de país tropical, cuja temperatura baixa não ultrapassa os 7º graus no inverno na cidade de São Paulo. Gosto de gelo de congelador. Aparência idem. Brincadeiras de criança. Uns atirando bolas de gelo nos outros. Gargalhadas, tombos e muita alegria. Na descida, pausa para um chá quentinho no chalé ao pé da montanha com direito a ritual - almofada, erva, chaleira e até uma ampulheta para controlar o tempo de infusão. Onde estaria  Leandro ? Tão bom seria poder dividir este momento glorioso com ele. Sua razão lhe dizia que amor à primeira vista era coisa de folhetim barato, sua emoção pulsava negando essa racionalidade. Estava apaixonada ! Sentia-se livre para amar novamente e com toda intensidade para derreter até o gelo das Cordilheiras. Riu e olhou em volta para ver se alguém havia notado sua insensatez, mas qual ! As pessoas estavam tão excitadas pela aventura que uma risada a mais não faria a menor diferença naquela imensa alegria reinante.
Já na entrada do hotel, ela o viu. Sentado no mesmo local onde o encontrara pela primeira vez, lendo seu livro. Chegou de mansinho, parando à sua frente. Leandro levantou os olhos e ato contínuo sorriu para ela  - Senti sua falta – disseram simultaneamente. E claro, riram pela tamanha coincidência. Não registrou tudo o que se passou depois, apenas que estavam sentados bem próximos, conversando como velhos conhecidos. Descobriu que ele era historiador, que escrevia para um blog e recolhia histórias surpreendentes dos povos da América Andina. Sua próxima parada seria Mendozza, partindo dali para o Chile. Um convite. Um “aceito” sem incertezas. Paula , Pipo, livres em suas decisões.


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